16/03/2022

A portuense Angélica André é uma nadadora de elite de 27 anos, com um currículo repleto de títulos e recordes em curtas e longas distâncias Depois de participar em campeonatos europeus e mundiais, estreou-se nos Jogos Olímpicos em 2020, onde alcançou o melhor resultado português de sempre na sua especialidade: os 10 quilómetros em águas abertas. Falámos com ela.



[Ágora] Com que idade e onde aprendeste a nadar? 

[A. A.] Aos três anos iniciei-me na natação, numa atividade do infantário. Pouco tempo depois, os meus pais perguntaram-me que desporto gostaria de seguir, uma vez que os meus dois irmãos jogavam vólei no Leixões Sport Club e queriam que eu também praticasse alguma modalidade. Então a minha escolha foi a natação. Comecei a nadar na equipa de formação do Leixões. 


Alguma vez pensaste praticar outra modalidade? 

Por duas vezes houve professores a tentar que eu ingressasse noutra modalidade – no voleibol e no ténis –, mas a natação sempre foi a minha paixão. 


Quando chegaram as competições? 

Muito cedo, aos sete anos, quando estava na categoria de cadetes. 

 

Recordas-te em que momento o sonho de participar nos Jogos Olímpicos passou a ser um objetivo?  

Lembro-me perfeitamente de estar a ver na televisão as provas de natação nos Jogos Olímpicos de Pequim 2008 e de a partir dessa altura despertar o sonho. 


Como é atualmente o teu plano de treino? 

Neste momento faço 10 treinos de água por semana, acompanhados com 30 minutos de alongamentos e flexibilidade, e mais três sessões de ginásio.  


Fora da água, na vida quotidiana, que outros cuidados (alimentação, sono, ócio…) são importantes para uma nadadora de elite? 

De tudo um pouco é importante, mas diria que uma alimentação equilibrada e um bom sono (enriquecedor) são os pontos essenciais e aos quais eu dou mais peso no dia a dia. 



Há pelo menos oito anos que competes em distâncias longas, como a de 25 quilómetros. Como são os planos de preparação para estas provas, em que às vezes é necessário nadar em condições adversas, com chuva, vento e forte ondulação? 

A preparação passa muito por fazer vários quilómetros em piscina, a principal diferença em relação a outras provas é, sem dúvida, a preparação mental. A mente pode ser o nosso grande aliado ou o nosso maior adversário quando estamos mais de duas horas a nadar, por isso estarmos preparados para tudo é fundamental. As condições adversas não afetam a minha preparação, porque não as controlo. Foco-me sempre naquilo que vou fazer e no que posso controlar durante a competição. Penso que quem é atleta de águas abertas tem de estar preparado para tudo e não deve ter preferências quanto às condições em que vai competir porque, com chuva, vento, forte ondulação, água quente ou fria, temos sempre que competir. 


Nos Jogos de Tóquio 2020 ficaste em 17.º lugar na prova de 10 quilómetros de natação em águas abertas, conseguindo a melhor marca portuguesa de sempre. Ainda assim, na altura disseste que, apesar de sentires que tinhas dado tudo, não estavas “nada feliz”. Passados dois anos, o sentimento ainda é o mesmo? 

Agora, com as emoções mais controladas, posso dizer que o pensamento é exatamente o mesmo. Ainda não estou satisfeita porque ambicionava mais. Apesar de ter dado tudo naquele momento, continuo a sentir que consigo mais e melhor.  


Quais são as tuas expectativas para os Jogos Olímpicos de Paris 2024? 

Ainda falta até chegar lá. Existem várias etapas e tenho vários objetivos intermédios ao longo do caminho. Penso sempre num objetivo de cada vez, até chegar ao principal. Por exemplo, este ano tenho o Campeonato da Europa em agosto e espero ter em maio o Campeonato do Mundo (falta a confirmação por parte da Federação Internacional de Natação devido à Covid-19). São esses os meus focos, de momento. O que posso dizer é que até Paris 2024 vou trabalhar e focar-me para chegar lá na minha melhor forma. 


Nadaste já em muitos países europeus, da América do Norte e do Sul, em África, na Ásia... Como são as viagens? Há tempo para explorar as cidades? 

Algumas viagens são bastante duras, mas faz parte quando viajamos para longe. Tentamos sempre estar o mais confortável possível e adaptar-nos logo aos horários. No que toca a explorar, é muito pouco o que conseguimos fazer. Acho que a vantagem das águas abertas é que podemos sempre usufruir das vistas do mar, dos lagos e dos arredores do local da prova. 


Tens algum episódio curioso de choque cultural para contar? 

Houve um episódio que me marcou muito na Turquia. Estávamos na rua e a nossa fisioterapeuta pediu informações a um senhor que estava a passar por nós, mas esse senhor ignorou-a por completo. Em seguida um atleta pediu-lhe a mesma informação e aí o senhor já lhe respondeu, só porque desta vez se tratava de alguém do sexo masculino.


De todos os destinos, houve algum que te impactou?  

Acho que foram o Canadá e os Estados Unidos, por causa da simpatia e da atenção das populações em geral, das diferenças de mentalidades e das paisagens que vi. 



Fizeste grande parte do teu percurso no Clube Fluvial Portuense e em 2021 mudaste para o Futebol Clube do Porto, dois clubes históricos do nosso município. Sentes-te, de certa forma, uma embaixadora do Porto? 

Como tinha referido antes, iniciei o meu percurso no Leixões em 2001 e representei as suas cores até julho de 2013. Depois disso, fui para o Fluvial Portuense em setembro de 2013 e fiz lá os dois ciclos olímpicos até Tóquio 2021. Agora escolhi o Futebol Clube do Porto para continuar o meu percurso. Para mim, ainda por cima uma portuense, foi sempre um orgulho imenso deixar a minha marca nestes clubes históricos da cidade. Espero continuar a deixar, agora a representar o Futebol Clube do Porto. 


Que conselhos podes partilhar com os jovens nadadores que te vejam como um modelo? 

Acima de tudo que se divirtam e sejam felizes no que fazem. Que façam sempre um pouco de tudo, porque há tempo para tudo. Mas na hora do compromisso, que sejam focados, disciplinados e tenham sempre “atitude” ao longo vida. 


E, para terminar, como convencerias uma criança que queira praticar desporto a optar pela natação? 

Acho que uma criança que queira praticar desporto deve optar por aquilo que realmente gosta e lhe faz feliz, porque acho que o importante é a prática do desporto em si. Cada modalidade tem as suas características e especificações, mas no final todas proporcionam aquilo que acho mais importante na formação de um ser humano: o companheirismo, a amizade, o espírito de equipa, de sacrifício, a disciplina, o compromisso e a resiliência. Por isso, uma criança que queira praticar desporto deve estar preparada para ganhar mais do que medalhas ou títulos, porque existe muito mais por detrás de tudo isso. 



Entrevista: Francisco Ferreira

Fotos: DR

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