Na palete de cores de Catarina Glam há diversidade e vida, intensidade e significado. O último trabalho que acaba de desenvolver foi feito com estudantes do Colégio de Nossa Senhora da Esperança, no âmbito do Programa de Arte Urbana da Ágora – Cultura e Desporto e que resulta do trabalho iniciado em 2019 com as Águas e Energia do Porto e a Divisão Municipal de Gestão Ambiental.
Há muito que a artista, agora a residir no Porto, queria regressar à pintura de murais. Talvez por esta razão, o trabalho que desenvolveu com as crianças desta escola “tenha sido tão especial”, diz-nos com o pincel na mão, a dar os últimos retoques na obra. “Foi uma experiência única ter miúdos a pintar um trabalho de autor comigo, nestes moldes nunca o tinha feito”, confessa-nos a artista.
Entre vermelhos e rosas, verdes e azuis, ergue-se agora uma parede que destoa, pela positiva, das demais. A cor abunda. A sua história é sequencial.
Mesmo em frente ao recreio onde as crianças (re)inventam a vida e brincam ao faz de conta, há um mural que as chama para a realidade do seu quotidiano. Entre um antes e um depois, existe uma linha ténue que separa uma Terra, que mal respira pela poluição atmosférica, e outra que convive com o ciclo normal da natureza, onde a água que cai das nuvens alimenta as árvores e todos os seres vivos, correndo, impoluta e livremente, para os rios em direção ao mar.
Cenário onírico? Neste mural há um lado bom e mau. Como na vida.
Abundância criativa numa Terra dividida
Este mural é o resultado do processo criativo lançado pela Ágora, no âmbito do projeto de arte urbana, com vista a sensibilizar a comunidade escolar para as questões ambientais, tendo no mote “Tudo o que cai no chão, vai para o mar” a sua temática central.
“Reunimos com os miúdos e, logo no primeiro encontro, discutimos que assuntos gostariam de abordar – dentro do tema principal relacionado com a poluição dos oceanos saltou um denominador comum”, explica-nos Catarina Glam. A decisão parece ter sido unânime – “dividir a Terra a meio, um lado saudável e outro doente”. “Este processo de criação foi muito intuitivo, natural e até consensual” e, no meio da abundância criativa das crianças, nasceu esta dualidade terrena que, afinal, é o dogma dos nossos tempos.
“Inicialmente, quando estava a desenhar o projeto na parede, coloquei do lado esquerdo, o planeta mais natural e saudável e, do lado direito, o mais doente, mas achei que deveria existir uma sequência natural”, explica-nos. O antes que seria, afinal, um passado não muito recente e um presente a caminhar a passos largos para um futuro promissor. “Fazia, pois, sentido inverter a ordem e pensar na perspetiva de futuro sequencial, e ter do lado esquerdo o antes e, do lado direito, o planeta que todos gostaríamos que fosse”, explica-nos.
A paleta de cores transversal a toda a obra de Catarina Glam é feita de derivações e de várias conjugações de tonalidades. “Neste caso joguei com dois universos: o lado natural dos azuis e dos verdes, e o lado industrializado dos rosas e dos violetas, para assumir um contraste maior”. O mural também testemunha o traço identitário da artista, a precisão, os vértices vincados e as geometrias das nuvens, das árvores, dos rios, das fábricas, da lata de spray, o rosto da Mãe-Terra. Este desenho “tem muito a ver com o meu estilo de ilustração e pintura. Mantenho a coerência, mas já estou a desprender-me um pouco na tridimensionalidade, gosto de explorar também a bidimensionalidade e, aqui neste mural, é bem explícito”, concretiza.
Pintar, subir ao andaime e deixar uma marca
Há também um antes e um depois … de soar o toque de saída. Entre correrias, jogos de futebol, conversas cruzadas e jogos de telemóvel abordámos algumas crianças que ajudaram a “fazer obra”. Frederica, de 11 anos, apressou-se logo a dar o seu contributo. Questionada sobre o desafio de pintar este mural com Catarina Glam, diz-nos que o que mais gostou foi mesmo “sujar a roupa, conhecer colegas dos outros anos e aprender novas técnicas”.
A mesma opinião foi partilhada pela Gabriela de 12 anos, aluna do 7.º ano de escolaridade. “Pintar, subir ao andaime e conviver com outras pessoas e com a artista, foi marcante”, mas o que mais quis destacar foi o facto de ter contribuído para deixar uma obra que ficará para a posteridade.
Com orgulho, testemunha, “este mural vai continuar a existir quando sairmos desta escola. Vai ser uma marca e uma mensagem de esperança que deixamos para as outras crianças. Estou muito orgulhosa!”.
Texto: Sara Oliveira
Fotos: Rui Meireles