26/12/2024

Nas histórias que completam a primeira década de vida do programa municipal Cultura em Expansão, viajamos (metaforicamente) até Miragaia com o arquiteto Ricardo Medina. Em 2022 foi dele a investigação e publicação da obra “SAAL Miragaia”, que procurou encontrar uma explicação para o que foi desenvolvido no local após o 25 de Abril de 1974. A rir, hoje, numa manhã fria de Inverno, diz que o que saiu dessa investigação foi “quase nada”. Mas serviu para lançar novas perguntas para o muito que ainda pode ser feito.

 

Na Associação de Moradores do Campo Alegre, o movimento é intenso, mesmo ainda antes da abertura de portas. No jardim, as galinhas correm, os coelhos procuram alimentos, os pássaros chilreiam ao sol frio do Inverno, há patos, há gatos, há cães. Ao abrir o portão da Associação, parece que o dia já vai longo.

 

Apesar de tudo, somos os primeiros a entrar, poucos minutos passam das 09h30. Foi aqui que Ricardo Medina quis marcar este encontro, por ser um espaço que frequenta diariamente e por fazer parte da sua história: aos 10 anos começou a jogar futebol no ringue de cimento escuro, ao atingir a maioridade era aqui que bebia a cerveja “mais barata do Porto” (e há quem afirme, a pés juntos, que ainda é!), hoje é o local por onde passei as duas filhas pequenas, depois da escola.

 

 

Arquiteto de formação, com diploma conseguido na Universidade do Porto, Ricardo Medina é um dos dez rostos que fazem a história da primeira década de vida do programa municipal Cultura em Expansão. Sentados num banco no jardim, rodeados de seres vivos que fazem a sua rotina como se ali não estivéssemos, carrega na mão o livro “SAAL Miragaia”, que resultou da residência do arquiteto ao longo do ano de 2022.

 

 

“Fui convidado nesse ano pelo coletivo da Confederação para tentar perceber o que se tinha passado neste local depois do 25 de Abril. Havia a ideia de que algo se tinha passado ali, onde até tinha estado o [arquiteto] Fernando Távora, que teve um papel importante nesta exploração”, assume Ricardo.

 

Tendo como objetivo perceber o que aconteceu neste território, quais os esforços, motivações e movimentações que tiveram lugar durante o tempo em que decorreu o processo SAAL – Serviço de Apoio Ambulatório Local, foi visitar os arquivos, ler textos, pesquisar o espólio de Távora presente na Fundação Marques da Silva.

 

 

“Este programa tinha a vontade de criar condições para pessoas que viviam com poucas condições. Este processo surgiu para encontrar essas deficiências e resolvê-las, juntou vários profissionais para dar uma resposta global”.

 

E o resultado da investigação? “Nada!”, atira Ricardo, com uma valente gargalhada.

 

“Na realidade, foram abordadas várias questões, mas no final, de uma forma mais abstrata, o que surgiu foram mais perguntas, mais dúvidas. Foram questões pertinentes, tais como aquelas que Fernando Távora desenvolvia. Eram preocupações genuínas com a cidade em que vivia e com assuntos intemporais e universais”.

 

O livro que resultou desta investigação, onde “conversou com pessoas de todas as idades daquela localidade, vizinhos, conhecidos e até desconhecidos”, veio confirmar que, 50 anos depois do 25 de Abril, “há situações exatamente iguais”.

 

 

“Não com as populações locais, que viram as condições melhoradas, mas com as comunidades estrangeiras, os turistas e até os alunos Erasmus. Acho que ainda não temos as condições adequadas para as receber”, assume o arquiteto que, de há um ano a esta parte, deixou a profissão e decidiu frequentar um curso profissional de carpintaria e madeiras.

 

“Como se pode ver, com diferentes contextos, os problemas ainda se mantêm e é importante continuarmos a debater estes assuntos, procurando sempre os sonhos, as ambições, as vontades e a intenção de construir uma história mais bonita”, atira.

 

A publicação acabou por ser esse caminho aberto que não se esgota, um fórum sempre aberto para responder aos problemas que surgem na cabeça de toda a gente. Ao longo dos anos, Medina reconhece que foi isso que foi encontrando em vários dos encontros que experimentou neste programa municipal.

 

 

“O mais interessante destes dez anos do Cultura em Expansão, em que fui também espectador, é que ele apoiou projetos que, se calhar, não teriam essa atenção. Espero que o futuro continue a apostar na criação artística, porque tem tudo a ver com a promoção das pessoas e dos pensamentos e discussões sobre determinado assunto”.

 

Ricardo assume que foi isso que aconteceu com ele, “fiz um trabalho sobre a possibilidade de algo que não chegou a existir e as pessoas interessaram-se por isso”. Porque tudo o que envolva as pessoas, por mais abstrato e distante que possa parecer, requer sempre uma explicação para se dar um passo em frente rumo a uma certeza.

 

Texto: José Reis

Fotos: Rui Meireles 

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