28/04/2024

Entre o rigor e a liberdade, a rigidez e a subtileza, fundem-se em harmonia vários tipos de dança, várias perspetivas e conhecimentos. Do clássico ao contemporâneo, o movimento é explorado por muitos alunos que, diariamente, frequentam a Pal(l)co - Performing Arts School and Conservatory. Na comemoração do Dia Mundial da Dança, que se celebra nesta segunda-feira, 29 de abril, procuramos entender o que leva jovens – e menos jovens – a transformar pensamentos em movimentos e movimentos em espetáculos. Tudo numa simbiose perfeita entre o corpo e a mente.

 

Num local onde os sonhos dos professores se tornam os sonhos dos alunos, num pal(l)co onde se alimentam esses sonhos, responder a “o que significa para ti a dança” é quase como perguntar a um pai ou a uma mãe qual o filho preferido. As respostas, invariavelmente, serão quase as mesmas, entre termos como “paixão”, “amor”, “sentimento” ou “arte".

 

Na Pallco - Performing Arts School and Conservatory, escola que faz jus ao nome, vivem todos os dias histórias de jovens sonhadores e lutadores, de gerações diferentes, mas com paixões semelhantes.

 

 

De professores a bailarinos, este estabelecimento de ensino articulado da cidade Porto nasceu da ambição de “educar os alunos a serem mais fortes, mais resilientes, mais felizes e a confiarem mais neles”. Quem o diz é Sofia Marques dos Santos, diretora da escola, que completou seis anos neste mês de abril. “Eu nunca sonhei com isto, mas é uma coisa que os meus alunos me provaram: que eu consigo fazer a diferença”. Pelo menos para cada um deles que entram sem expectativas e saem cheios de ambições.

 

 

Xavier, de olhos brilhantes, aceita o destino que já traçou

 

A Pallco, situada na zona da Prelada, no Porto, acolhe bailarinos de várias idades e de todas as faixas de aprendizagem. Xavier  tem apenas dez anos é um dos mais novos a fazer parte das aulas de grupo misto (do ensino articulado).

 

No reflexo dos óculos, dois olhos, brilhantes como berlindes, refletem a luz exterior e, principalmente, a interior, a que acende e brilha mais quando nos fala de dança. Deixa, de forma clara, por entre uma fala tão concisa quanto delicada, no enrolar de algumas letras e sorrisos tímidos, por onde passará o futuro: “Eu quero ser bailarino profissional”.

 

 

Ainda se lembra da data em que entrou nesta escola, depois de quatro anos noutra academia. Lembra-se também da forma como se foi apaixonando pela dança, quando chegava da escola e repetia, em casa, o que aprendia nos intervalos com uma colega de turma. “E agora”, diz ele, “estou aqui. Os meus verdadeiros amigos estão aqui também”.

 

Xavier deixa transparecer a alegria de quem faz o que gosta, enquanto a sala silenciosa, se enche com os passos coreografados dos outros bailarinos, como se estivessem a pisar um chão de algodão, tão perfeito e delicado como qualquer um dos seus movimentos.

 

Maria quer ser balarina – e se não conseguir, não vai desistir

 

Maria Santos tem 13 anos, mas o equilíbrio que a mantém firme nos passos mais complexos é o mesmo que a orienta no dia-a-dia e nas suas expectativas para o futuro.

 

Assim como Xavier, deixou-se apaixonar pela dança clássica ao ver a prima a dançar. Mas o ritmo já lhe corria nas veias, com avós que foram campeões nacionais de danças de salão. Rapidamente percebeu o próprio corpo, “nunca me consegui mexer da maneira como eles dançavam. O ballet é mais a minha praia”, revela, a sorrir.  

 

 

De uma simples atividade extracurricular a uma prioridade, tem a certeza de querer ser bailarina. E, caso a coisa não corra como o esperado e “se tiver uma lesão, o plano B é ser professora de dança”.

 

Talvez o culpado seja Philipp Knapp, o professor que lhes incute rigor, ritmo, foco e determinação. Que lhes apresenta as facilidades, mas os alerta para as dificuldades. Ser bailarino profissional não é fácil ele sabe-o, melhor do que ninguém.

 

Atualmente, Knapp é um dos professores da Pallco, um dos mentores destes miúdos que veem nele o porto seguro para seguirem o sonho que lhes comanda a vida.

 

 

Natural de Munique, na Alemanha, Knapp foi “atirado” à dança sem saber muito bem o que era isso de “ser bailarino”. Sabia, sim, que tinha que aprender a disciplina e a resistência de uma arte e que isso o ajudaria a ser ainda melhor pessoa e, claro, profissional.

 

Moldado pelo tempo às exigências da modalidade, entre o hoje que era igual ao amanhã e o amanhã que era igual ao ontem, admite que “vivíamos de muita repetição, mas, apaixonei-me pela dança clássica quando percebi que as regras serviam para atingir um próximo nível, de um passo seguinte”. Quando percebeu que, desta disciplina, tirava o essencial para se tornar ainda mais focado e determinado em ser um bom bailarino e, posteriormente, um bom professor.

 

 

Num ambiente misto entre alunos mais novos e mais velhos, o objetivo é “que eles se expressem, livres, em momentos de lazer, menos rígidos. Mas devem saber que o trabalho e a responsabilidade são os mais importantes, têm de aprender isso todos os dias, e é aí que vão ver os resultados”, resume.

 

Sofia sente na dança a melhor forma de se expressar

 

Quando a vida se confunde com a arte, surge a questão: terá o movimento nascido com Sofia Stahl, ou terá ela (re)nascido com o movimento? De gatinhar a dançar, a dança entrou na sua vida logo aos dois anos.

 

Perguntar-lhe o que a dança significa para si é como esperar uma resposta óbvia, quase tão simples como respirar. O azul dos olhos e a voz trémula, entre a emoção e o nervosismo, antecipam as palavras que o corpo exprime em gestos: “a dança para mim é algo sem o qual não consigo viver. Faz-me sentir eu mesma, expressar os meus sentimentos e ajuda-me muito quando estou triste”.

 

 

Desde pequena que Sofia, hoje com 12 anos, sabe o que quer e sabe o que lhe é exigido, “muito foco, muito esforço, treino, disciplina; caso contrário, o sonho não vai acontecer”. Mesmo contra a vontade inicial da mãe, que carregava medos - porque mãe é mãe, já se sabe… -, convenceu-a e a si própria que o destino estava traçado, não haveria como fugir.

 

O mesmo acontece com José Sousa, de 15 anos, “quase 16”. Está a terminar o 10.º ano e já pensa no que irá fazer a seguir. Está na fase da decisão, onde o sonho passa a realidade.

 

“Aqui começamos a traçar o nosso caminho, mas com objetivos no horizonte”, diz, assumindo como um dos seus sonhos ir para a Israel trabalhar com o “incrível coreógrafo Ohad Naharin”, ou continuar a sua formação de bailarino nos Países Baixos. “É um sítio com coreógrafos incríveis, são grandes inspirações”.

 

 

Para ele, entre os saltos e as piruetas do clássico, à grande liberdade expressiva do contemporâneo, a dança é a paixão que “sai do nosso corpo. Sentir a música, os nossos pensamentos, esquecer tudo e todos. Fazem-se coisas magníficas”, revela.

 

“Às vezes chegamos a casa com umas dores de pernas terríveis, mas, no fim, é uma sensação incrível, compensa tudo. Uma sensação única, chega a arrepiar. É um sonho”, admite.

 

 

E é esse sonho que comanda a vida da Pallco que, para além das aulas de dança, disponibiliza aulas teóricas para os vários níveis de escolaridade, desde a preparação física à formação musical e à história da cultura e das artes.

 

Porque aqui a dança não é só postura, não é só beleza, não é só o espetáculo. É tudo aquilo que não se vê - e talvez seja esta a parte quase impercetível que torna a arte tão singular.

 

 

Uma subtileza quase sobrenatural, que só é visível com “muita resiliência, confiança, rigor e liberdade de movimento, de estar e de pensar” diz Sofia Santos. Um local de liberdade onde o aprendiz, o bailarino e o professor se encontram, nessa linha perfeita de viver a arte num todo, de aprenderem uns com os outros, de respeito pelo que cada um tem para transmitir. Tal como a vida, a dança é esse espaço de afirmação, de expressão, que, aqui, nunca será abafada ou menosprezada.

 

Texto: Sara Santos

Edição: José Reis

Fotos: Nuno Miguel Coelho

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