14/05/2024

As ruas de Cedofeita e de Miguel Bombarda têm novas cores, formas e inspirações. Nos últimos dias, vários artistas urbanos convidados pela Ágora, em parceria com a E Redes, deixaram a sua marca em 32 caixas de distribuição de energia elétrica da cidade. Um a um, fomos conhecer os oito artistas que ousaram pintar mais além.

 

 

Rafi e as memórias de família

 

No seu à-vontade, a deliciar-se no Dona Arepa, em pleno coração de Cedofeita, encontramos Rafi, artista urbana que aqui, nos armários da rua onde cresceu, decidiu pintar o marco de memórias felizes.

 

Pairam as recordações ligadas à mãe que fazia malhas, num autorretrato em camisola de lã, e no gato preto que lhe era companheiro. Lembra-se, a sorrir, do quanto odiava “servir de modelo” para divulgar as malhas que a mãe fazia- “tenho fotos de braços abertos com umas trombas”, sorri, relatando, de modo bem-humorado, uma memória de criança pela qual hoje é eternamente feliz.

 

 

Para Rafi, a iniciativa é uma forma de enriquecer a cultura numa troca justa entre o artista, o espectador e a rua. À vista de quem quiser olhar, os equipamentos de mobiliário urbanos decorados são agora quase unânimes, na visibilidade e valorização que dá aos artistas, enquanto alegra a rua e favorece o comércio.

 

 

Paula Rezende e os arco-íris vibrantes

 

Pairou a dúvida: terá sido previsão ou coincidência? Um dia antes de saber que iria protagonizar arte nestas ruas, a artista falava sobre as saudades que tinha de fazer isto, que ela tanto gosta, depois das felizes experiências que teve em pintar o mural da Restauração e do Matadouro.

 

Para Paula Rezende, pintar é uma forma de expor em símbolos as suas emoções e sentimentos, dando asas à liberdade de interpretação. Na sua tela urbana, por entre um arco-íris de cores vibrantes, destacam-se os vultos como telas em branco que, num conceito de arte coletiva, preenchem-se como espelhos das emoções de todos aqueles que se identifiquem ao observar. “Quando a pessoa está feliz, vai descortinar a arte com olhos felizes, o contrário acontece se a pessoa estiver triste”, diz.

 

 

De caixas cinzentas a exposições artísticas, a decoração destes armários de eletricidade veio trazer mais luz às ruas de Cedofeita. Para a artista, a beleza da arte não está apenas no produto final, mas em todo o processo de dar visibilidade áquilo que, por si só, já tem grande utilidade.

 

 

João Alves e a utopia de um final feliz

 

De um convite que recebeu, João Alves decidiu deixar a sua marca nestas ruas de Cedofeita. Tratando os armários urbanos como portfólios artísticos, optou por reavivar histórias e símbolos cultivados ao logo da sua carreira de mais de 20 anos enquanto pintor, dando nova vida a ideias de velhos (e bons) tempos.

 

Esta intervenção da Câmara é, para ele, uma das várias que considera positivas para o desenvolvimento artístico e cultural da cidade. Admira a utilidade da proposta que não só aumenta a visibilidade destes artistas como embeleza a cidade.

 

 

“Se vivêssemos num mundo utópico, se calhar, tudo estava decorado com alegria e com otimismo”, diz, acrescentando que “quanto mais dinheiro investido em cultura e menos em armas e bombas, logo por aí, já ganhamos”.

 

 

Henrikas Riskus e o sentido da beleza

 

De um RubiksCubo numa tarde na praia surgiu o projeto de Henrikas Riskus, mais conhecido por H2Random, sob a premissa “pintar ou não pintar”. Para ele, o processo artístico é algo que passa por acreditar na natureza das coisas e fazê-las: “tudo será bonito se for bem feito”, diz.

 

 

Do seu estilo nascem as composições de formas mais abstratas e aleatórias, e destas, a sua repetição em múltiplas perspetivas. Para Henrikas, a simplicidade comunica tanto quanto o extravagante, e, por isso, transformou esta ideia num conceito binário de duas cores em pinceladas de toque industrial. E é, nas linhas robustas e nos triangulo agudos que acontece a magia do “painting not painting”, no “cheio” do vermelho málaga a contrastar sob o “vazio” do branco.

 

Para ele, a arte constrói-se na “magia de deixar acontecer”.

 

 

HOJE e o sentido de ser português

 

Hoje caminhava em direção a Santiago quando descobriu ser parte deste projeto, uma notícia que considerou caída do céu, no momento certo. Inspirada na paixão que tem pelo Porto e no orgulho que sente em ser portuguesa, tem como protagonista da sua obra o azulejo português, um elemento que considera “tão nosso”, e, por isso, digno de ser glorificado.

 

Para ela, a “street art”, como a refere num estilo que transpira juventude, vive da antagonia entre a efemeridade da obra e o eternizar do “hoje” do artista. Em todas as suas obras deste projeto destaca-se um padrão de formas geométricas com uma cor base: o azul do Porto “só, porque faz todo o sentido”, entre outras cores vibrantes que simbolizam o tema representado, nomeadamente: o amor, a alegria, o São João e o Porto.

 

 

A oportunidade de poder fazer o que gosta de forma ética é, para Hoje, uma forma de tornar a arte acessível a toda a gente, quer para aqueles que a pintam, quer para aqueles que a apreciam.

 

 

Leonor Zamith e o feminismo à flor da pele

 

Para a artista e feminista Leonor Zamith, pintar é dar voz à liberdade. Neste projeto, viu a oportunidade de fugir à rotina e pintar aquilo que lhe apetece em algo mais “fora da caixa”, como gosta.

 

Nas suas obras pairam retratos e mãos, todos de encontro a um significado: a (in)dependência da mulher no século XXI (n)a luta da mão vermelha que é a força masculina, em combate com a mulher”, representada pelo busto azul.

 

 

“Nós, mulheres, achamos que somos independentes, de pensamento autónomo, mas, infelizmente, somos facilmente manipuladas por aquela força machista que ainda está cá dentro e, que muitas vezes a própria mulher não reconhece não identifica”, diz Leonor.

 

Como uma mensagem, quer apoiar a independência das mulheres, num caminho que considera ainda ter muito pela frente. Para ela, poder pintar as ruas com um toque mais humano é uma oportunidade tão bonita quanto importante para dar mais voz a uma sociedade livre.

 

 

Fátima Bravo e o equilíbrio em meio urbano

 

Da conexão que tem com o natural nasce a pintura de Fátima Bravo. Num meio urbano que é movimento, que é barulho, a ideia está em trazer serenidade e equilíbrio com alguns dos elementos que lhe são conforto.

 

Enquanto pinta várias nadadoras em padrão, lembra do verão e do calor, e então pinta em amarelo. Lembra da água fresca e do som das ondas, que pinta em verde-água. Pinta também flores e plantas, outro tema que prioriza e que faz já parte do seu repertório artístico.

 

 

Para ela, a arte urbana é um palco para a cultura, um espaço que “cultiva, motiva, expande, educa”, e une tudo e todos sem limites nem fronteiras.

 

 

Facio e o pormenor do desenho

 

Inspirado nas manifestações artísticas de uma antiga comunidade romana, a arte de Facio volta a estar presente na rua. Entre os contornos e as formas do desenho a ganharem novo impacto, formam-se as silhuetas de cerâmicas antigas em detalhe como uma das características dominantes da sua arte.

 

Se para alguns pintar é lembrar o passado, para outros, é perspetivar o futuro. Se para uns a cor é alegria, para outros, é calmaria. Se para uns nunca haverá unanimidade na arte, para outros a unanimidade está na opinião sobre este projeto: uma verdadeira oportunidade de criar novos vínculos e de tornar a arte acessível todos, diz Facio.

 

Texto: Sara Santos / José Reis

Fotos: Andreia Merca

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