12/03/2024

Para Renata, a água é como “uma casa”. Para João, é “calma, paz e tranquilidade”. Para Ricardo, é “descoberta recente”. Todos encaram a natação como um desafio pessoal que querem superar. A cada treino. A cada prova. Na semana em que o Porto acolhe o 10.º Torneio Internacional de Natação Adaptada, no Complexo de Piscinas de Campanhã, com a participação de mais de 150 atletas, fomos à procura dos talentos (e clubes) que nos enchem de orgulho sempre que saltam para a água. “Adaptado” ou não, o desporto, quando nasce, é mesmo para todos.

 

Quando entrou pela primeira vez nas instalações da Associação de Desporto Adaptado do Porto (ADADA), numa visita de estudo promovida pelo Externato de Santa Clara, no Porto, Catarina Pereira, de 18 anos, percebeu que o que lhe ensinaram no Curso Técnico de Desporto era, afinal, uma pequena parte do muito que há para conhecer. Entre clubes e ginásios, futebol e mais futebol, entre o sonho do “desporto perfeito” e o da modalidade “que consegue mais medalhas”, nunca ninguém lhe falou deste desporto “igual aos outros”, feito de atletas “com a mesma motivação” do que todos os outros.

 

 

Perante o olhar dos colegas, com ideias bem elaboradas quanto ao futuro (“todos querem os ginásios, as aulas de grupo, os clubes desportivos”), encontrou ali o caminho. Como uma epifania, um cenário de futuro que se construiu inadvertidamente à sua frente.

 

Catarina já tinha assistido aos Jogos Paralímpicos na televisão, conhecia minimamente o termo “desporto adaptado”, mas foi ali, perante os olhos de quem acredita que basta “querer para conseguir”, que percebeu a universalidade do desporto.

 

 

“Foge da ideia de  ‘normalidade’ associada ao desporto e isso é o que me fascina”, admite a jovem, a meio do período de estágio de 200 horas que a ADADA lhe permitiu fazer. “A minha ideia nem era seguir esta área do desporto adaptado”.  

 

Mas hoje o futuro passará por aqui, por tudo aquilo que lhe fez sentir, por todos aqueles que já conheceu e com quem criou laços fortes de amizade.

 

A relação de amizade e trabalho que ajudou a criar a ADADA

 

A noite escura, fria e chuvosa de uma sexta-feira de inverno no exterior do complexo desportivo não é representativa de uma noite luminosa e feliz no tanque principal da Piscina da Constituição. É hora de mais um treino para os atletas de alto rendimento da ADADA. Encontramos corpos diferentes, mas sorrisos iguais. Não há medo em mostrar, não há nada a esconder, o corpo “perfeito” (o que é isso?) está ao lado do corpo que, dessa imperfeição, cria uma série vitórias. Pedro Lima é um apaixonado pelo desporto adaptado. Mais do que um fervoroso adepto, um treinador de primeira linha, é uma voz que defende a igualdade. Que a defende e a põe em prática.

 

 

“Fui treinador do Leixões durante 11 anos e foi aí que me cruzei com a Renata [que conheceremos daqui a pouco]. Foi ali que se iniciou um trabalho mais especializado com nadadores que carecem de uma atenção especial”, assume Pedro, que viu aqui a abertura de um novo tempo para a natação adaptada. “Depois da Renata chegaram muitos outros desportistas e houve a necessidade de criar condições para uma resposta mais específica a estes atletas”. Assim surgiu a ADADA, há 10 anos, para contribuir para a valorização de quem acredita. De seis atletas passaram, hoje, para os 190, de diferentes modalidades. 36 federados de natação. “O que demonstra a confiança no nosso trabalho e a capacidade que temos de reter estes atletas no desporto de alto rendimento”.

 

E não há que enganar, entre todos os atletas que alinham pela ADADA, Renata Pinto ainda é a menina dos olhos de Pedro Lima. Foi com ela que descobriu o mundo desconhecido do desporto adaptado, foi ela que lhe deu os primeiros grandes sorrisos, lágrimas e conquistas. “Represento Portugal em competições internacionais desde 2015”, começa por contar a atleta. “Comecei a nadar aos dois anos e a competição começou aos sete, no Leixões”.

 

 

Renata tem 24 anos, nasceu com uma malformação congénita no braço direito, que o tornou mais pequeno que o  esquerdo. A água faz parte da vida como uma terapia.  “É onde me sinto bem, não consigo imaginar-me sem este desporto”.

 

Pedro Lima continua: “para mim o desporto adaptado é um desporto de alto rendimento. Ponto. Os princípios são os mesmos, a motivação é acrescida. E isso nota-se desde que as federações absorveram o desporto adaptado no quadro competitivo”, assume o treinador, que conhece todos demasiado bem na sua unidade, sabendo como falar com cada um. “É que trabalho há mais de dez anos com muitos deles. E foram eles que me ajudaram a crescer e a crescer o clube”, destaca.

 

 

A ADADA é só uma “pequena” parte do muito que se tem vindo a fazer a nível mundial, com uma crescente e visível evolução do desporto adaptado. Renata não esconde que um dos seus sonhos “é participar nos Jogos Paralímpicos” e unir o desporto à sua formação de Psicologia, que está a terminar.

 

Da diferença à força de vencer

 

E como é que a diferença vê a própria diferença na diferença dos outros? João Campos, de 44 anos, descobriu isso quando, em 2018, participou num campeonato internacional onde cabiam todos: deficientes cognitivos, motores, visuais e auditivos. “O primeiro impacto foi forte, eu estava no meio de todos aqueles atletas que, tal como eu, eram diferentes”, assume o atleta que sofre de hipocondroplasia e que muitos confundem com o nanismo. Difere pela dimensão do tronco na relação com os membros superiores: um anão tem os membros desproporcionados em relação ao corpo, uma pessoa com hipocondroplasia tem uma estatura uniforme, mas sempre baixa.

 

 

“Entrei na ADADA há oito anos, quando um dos treinadores viu o meu desempenho e me perguntou se não gostava de experimentar. De praticar por lazer – e por ajudar ao problema dos ossos -, passei a ter um treinador e a competir em campeonatos regionais, nacionais e internacionais”. João representa também a seleção portuguesa , veste com orgulho as cores do seu país e quando consegue concretizar o objetivo… “ui, é uma sensação de alívio, de felicidade, de esperança em conseguir voos mais altos”.

 

De há uns anos a esta parte, é ainda funcionário da associação, sendo o administrativo que coloca a casa em ordem. “Como tenho o curso de Informática de Gestão, convidaram-me a fazer um estágio profissional e acabei por ficar a trabalhar a tempo inteiro na ADADA”.

 

 

Até porque a ADADA orgulha-se de ser uma casa com as contas em dia, tudo devidamente regularizado. É hoje o clube com mais atletas federados de natação do país. Para isso muito tem contribuído as pessoas que se entregam de corpo e alma a este projeto – “13, no total, sem esquecer todos os atletas”. Todos trabalham com objetivos definidos, acolhendo os que chegam com o mesmo entusiasmo.

 

Ricardo Reis é um desses atletas mais novos. Chegou há apenas dois anos, tem uma displesia espática nos membros inferiores. Começou a nadar aos dois anos, como forma de evoluir na sua condição, muito impulsionado pela Associação de Paralisia Cerebral.

 

 

Na ADADA encontrou o local onde pode “limpar a cabeça dos problemas da escola”, como um elixir que ajuda a colocar tudo no seu devido lugar. Treina quatro vezes por semana, com os colegas que aprendeu a respeitar, “como uma família que goza e faz piadas com os seus próprios problemas”, sorri.

 

Treina com o foco e a determinação de ganhar. Porque, para conquistar os seus objetivos, de “competir em europeus, mundiais e chegar aos Jogos Paralímpicos”, basta treinar muito. “É só preciso querer e acreditar”. Simples. Prático. Sem entraves físicos nem psicológicos.  

 

 

Texto: José Reis

Fotos: Andreia Merca

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