13/09/2024

A poucos metros da movimentada Alameda Basílio Teles, encontramos a pacatez da Rua Casal do D. Pedro. Mesmo em frente à Associação de Moradores de Massarelos (AMM) decorre a aula de dança para as senhoras do Centro de Convívio, onde o silêncio é interrompido pela batida da música.

 

O sucesso da primeira edição do “É preciso ter lata!” , que em 2023 coloriu a escadaria da Calçada da Boa Viagem, dá agora lugar a uma intervenção na fachada da AMM, com vários metros que contam, em imagens, a história desta associação.

 

A iniciativa, desenvolvida pela Associação e que conta com o apoio da Ágora, integra o Programa de Arte Urbana do Porto. A orientação está, uma vez mais, a cargo do artista Godmess (Tiago Gomes), que nos explica que este é um projeto muito diferente do anterior: “por um lado, porque o mural está a ser feito totalmente a spray e, por outro, porque o que está representado são fotografias de arquivo da associação e algumas memórias dos moradores mais antigos”. 

 

 

“O desafio foi selecionar os momentos que fazia sentido estarem representados” - Godmess

 

A história da AMM remonta aos anos 70 do século passado, ainda antes do 25 de abril, numa sala da Igreja de Massarelos cedida pelo padre deste local. Na altura, nesse espaço, algumas mães tomavam conta dos seus filhos e dos de outras mulheres do bairro que tinham de ir trabalhar. Mais tarde, dá-se a ocupação popular do Armazém Frigorífico do Peixe e em 1976 é criada, oficialmente, a AMM.

 

Mas para contar estas histórias foi preciso falar com quem as viveu e, por isso, foi necessário “chamar alguns dos moradores que estiveram no início da criação da associação”.

 

“Isto vai dar alegria à rua e é uma experiência para todos: mesmo quem não é daqui também gosta. Uma pessoa chega aqui e, mesmo que não queira, não consegue ficar indiferente a esta parede” - Tozé

 

 

Tozé de Massarelos tem 66 anos e esta foi sempre a sua morada. Foi por ele, e por outro vizinho, o Chico, que a história foi contada. Lembra “os tempos idos, as boas memórias e a altura em que tínhamos muitos sonhos”.

 

Este morador fundou a secção de canoagem da AMM e, por isso, “de todas as memórias aqui representadas, aquela que me é mais querida é esta da canoagem”. Fala-nos dos barcos, que eram fabricados pela Associação e que depois eram vendidos para conseguirem dinheiro para fazer competição, das aulas de patinagem do Sr. João – que graciosamente ensinava os mais pequenos a patinar –, do concerto do Zeca Afonso, dos carrinhos de rolamento e das atividades no infantário. Diz-nos, orgulhoso, que é um youtuber: Tozé tem no seu canal dezenas de gravações antigas, onde estão muitos registos das atividades desta coletividade. 

 

 

Muito disponível para conversar, explica-nos que a AMM teve sempre muitos projetos e não lhe faltam palavras para a descrever. Mas resume tudo com as palavras “orgulho e satisfação”. “Orgulho por fazer parte da associação e satisfação por ver que continuam a fazer coisas”, remata.

 

Depois da história contada, também ele pôs “a mão na massa” e ajudou a pintar o mural. Garante que não é difícil, mas ressalva que o “professor é bom e mesmo que a gente faça mal, o Tiago chega lá, faz a magia dele e aquilo fica logo bonito”.

 

“Sentimos uma enorme recetividade das idosas e dos moradores” – Ana Borges

 

 

A música continua e os passos de dança são acompanhados por muitas gargalhadas. No meio de tanta animação, falamos com Ana Borges, a diretora técnica da instituição que, com quase 50 anos de atividade, mantém em funcionamento o centro de convívio, com 20 utentes, e a creche, com cerca de 30 crianças. 

 

“Para além das senhoras que frequentam o Centro de Convívio, tentamos envolver os pais e as famílias”, explica. Mas este é um projeto aberto a todos os “vizinhos”, moradores, ou não, deste bairro. “Hoje temos aqui estes estudantes da Faculdade de Arquitetura, que fica ao lado do bairro”, conclui.

 

 

Aurora tem 80 anos, “quase a fazer 81”, e confessa-nos que a experiência está a ser “muita bonita”. Quando perguntamos se é difícil, responde prontamente que não, “porque o Tiago ajuda-nos muito”. 

 

A octogenária, que faz parte da história da AMM, não é de grandes palavras, mas tem na memória (e na ponta da língua) as imagens que levaram à criação da Associação. Sem qualquer esforço, “rebobina a cassete” e recorda os bons momentos que passou “lá em baixo, junto ao hotel” e agora “aqui, nesta sede, que tem muito boas condições”.

 

 

Recorda com um sorriso rasgado quando “no 25 de abril fomos ocupar aquilo (a antiga fábrica do peixe), entrar lá para dentro, tirar os jornais todos de lá para fora, limpar tudo… tinha uma cortiça no chão e nós tiramos aquilo tudo”. Agora, com quase 81 anos, continua “a ser muito feliz na associação”, desabafa.

 

A intervenção estará concluída nos próximos dias e nela poderão ver-se alguns dos momentos mais marcantes da história da AMM.

 

 

O entusiasmo é visível em todos: nas senhoras do Centro de Convívio, sempre prontas para mais um desafio que as mantenha ativas e com a certeza de que são úteis e capazes; nos moradores que recordam, com saudade, aquela que também é a sua história; e nas crianças e nos pais que, no final de cada dia, ajudam na construção de mais uma página da história da Associação.

 

Texto: Catarina Madruga

Fotografia: Andreia Merca

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