18/08/2023

Na Concha Acústica, rodeada por plátanos centenários da Avenida das Tílias, é possível apreciar uma nova obra de arte urbana da autoria de Leonor Violeta. Acompanhámos o processo criativo – do início até ao fim - para perceber como surgiu este novo mural que irá acompanhar mais uma edição da Feira do Livro do Porto, dedicada ao escritor Manuel António Pina. 

 

O conceito inerente à sua génese - e que agora pode ser visto na Concha Acústica - é revelador de um lugar de acolhimento de recordações e memórias. Aquele espaço-casa que se desenha com as palavras de Manuel António Pina, escritor celebrado na Feira do Livro, que decorre entre 25 de agosto a 10 de setembro, nos Jardins do Palácio de Cristal.

 

 

E foi precisamente no âmbito do festival das palavras, da poesia, da literatura e da cultura popular do Porto que foi lançado a Leonor Violeta o convite para pintar um novo mural na Concha Acústica, trabalho enquadrado do Programa de Arte Urbana do município do Porto, dinamizado pela Ágora.

 

O mote foi resgatado do poema “Como se desenha uma casa”, e que também é o título do último livro de poemas inéditos do escritor, galardoado com o Prémio Camões 2011.

 

 

Este é, por si só, um poema “bastante figurativo… tentei desconstruir o que o autor relata sobre o conceito de casa, neste e noutros poemas”, sublinha Leonor Violeta.

 

Será esta obra artística um ponto de fuga para aquele abrigo de memórias interiores, uma expressão do “caminho familiar da saudade” onde se entra “no amor como em casa” que Pina tão bem expressa? “Não é tanto a casa em si, é mais o que esta simboliza, dos seus significados, do que representa… um espaço de construção de memórias, de recordações e de sonhos”, conta.

 

São, afinal, elementos da vida desfragmentados que “se vão acumulando e sobrepondo”. Existem elementos abstratos e outros nem tanto, “há um sol, um coração, um cão e, claro, flores que são características no meu trabalho”.

 

 

Curiosamente, a figura humana não está presente neste mural. Leonor Violeta quis expressar o pensamento, as tais recordações e os sonhos que “vivem no interior da nossa cabeça”. O único apontamento figurativo é o cão, que também é referido no poema de Pina, mas tudo o resto é abstrato. “Tudo se molda ao longo da vida” e os elementos, esses, estão interligados.

 

Paleta de cores para pintar memórias

 

E as cores? O rosa e o azul estão presentes neste mural, mas não parecem ser cor “para lágrimas” ou para “sonhos desfeitos”. Na verdade, Leonor Violeta recorre às cores pastel, onde convivem ainda o ocre, o castanho, tons evocativos daquela expressão vagarosa das cores de Pina, os tais “tons mais-que-perfeitos”.

 

 

Ainda assim, a ilustradora confessa que a escolha das cores foi o maior desafio neste trabalho. “Na minha opinião, este poema tem um tom bastante melancólico e nostálgico por isso usei estas cores, para transmitir essas sensações”. O facto é que houve “um trabalho de cedência” porque as cores da artista são “alegres”, as de Pina, no poema, são “morosas”. Depois há a própria envolvência do local que “pede cores mais chamativas”. Teve de existir “um equilíbrio entre o que o poema pede, o que eu gosto e o local” onde o mural vive, acrescenta.

 

 

As formas são como os pensamentos, vão mudando e moldando ao sabor dos cheiros, das cores, das sensações e das recordações. E nesta obra de Leonor Violeta apetece recorrer à sinestesia, como conceito em que os sentidos se fundem em sabores, as cores podem ser formas, as formas podem ter cheiros de memórias que ainda sobrevivem.

 

 

Ficará para cada um avivar recordações interiores ou então recorrer às palavras de Pina ou às de outros autores que irão habitar, por estes dias, os Jardins do Palácio de Cristal.

 

Texto: Sara Oliveira

Fotos: Rui Meireles

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