O Clube Fluvial Portuense faz história neste fim de semana: chega aos quartos de final da LEN Challenger Cup, competição que reúne algumas das melhores equipas de polo aquático da Europa. Neste sábado defronta o GZC Donk, dos Países Baixos, na primeira de duas mãos (a segunda decorre a 1 de fevereiro, em casa), em Gouda, às 14h00 (hora local). Antes da partida, assistimos ao último treino em casa.
Se, por mero acaso, lhe ligarem para jantar, por volta das 20h30, é muito provável que João não consiga responder afirmativamente. Se tentarem contactar Diogo por volta das 21h00, é provável que não atenda. Se enviarem uma mensagem a Tiago para um café, às 21h30, é quase certo que o convite fica sem resposta. E isto às segundas, às terças, às quartas, às quintas e às sextas-feiras. Até aos sábados e, muitas vezes, até aos domingos.
Nestes dias, sempre no mesmo horário, é mais do que provável – bem, é mesmo uma certeza! - encontrar João, Diogo, Tiago, Bernardo, Luís e mais uma dezena de outros rapazes reunidos no mesmo espaço. Desligados desse mundo frenético que continua a acontecer lá fora, dos convites espontâneos e da vida online alimentada a toda a hora, mas unidos num objetivo comum: o de levarem ainda mais longe o gosto pelo polo aquático e o nome do Clube Fluvial Portuense aquém e além-fronteiras.
A rotina, como uma terapia, acontece todos os dias, com hora marcada: das 21h00 às 22h30 (mais coisa, menos coisa). É aqui que se encontram, para fazerem aquilo que mais gostam: treinar, competir, conviver, aprender com o outro, partilhar objetivos e ambições. Com olhos postos no amanhã.
Jogadores mais velhos como exemplos
Numa equipa feita de jogadores com diferentes idades, cabe ao capitão ser um exemplo de disciplina, de ordem e de garra. João Leite tem 31 anos e agarrou o desafio este ano, pela primeira vez. “O que representa ter este papel na equipa? É motivar os mais novos, fazer com que haja aceitação entre todos, liderar fora da água”, admite o atleta.
É dos jogadores mais velhos e sabe que a idade, neste caso, para além de representar a experiência, traz a responsabilidade do exemplo. “Temos de mostrar aos mais novos os valores que fazem parte do nosso grupo, e integrá-los nesta verdadeira ‘família’. É que somos amigos fora da água e até fora do clube”, assume João.
Tiago Paraty, o anterior capitão, também com 31 anos, perdeu a conta há quantos anos “vive” no clube. Mas, seguramente, são mais de 20. “Houve anos em que passei mais tempo com o João [Leite] do que com a minha família, o que só pode representar o amor e as ligações que se vão criando”, destaca.
Meio por acaso, a acompanhar a avó que nadava numa piscina, descobriu o minipolo. A convite de um treinador, experimentou, gostou e continuou. “Quando cheguei aqui senti-me em casa. Tinha alguns amigos, mas, de um momento para o outro, criei muitos mais”.
A palavra “família” não é estranha a João Pedro Santos, 52 anos, o treinador da equipa que regressou há três épocas ao Fluvial. Depois de, há 15 anos, ter passado pelo clube, regressa ao lugar onde foi feliz porque, resume, “isto é uma família”.
Pai de quatro filhos biológicos, um deles atleta da equipa, olha para os jogadores da equipa como “outros filhos, porque quando lhes dói alguma coisa, a mim também me dói”, assume.
Professor de educação física a tempo inteiro, o Fluvial é o complemento que já não dispensa no dia a dia. “Passo mais tempo aqui do que em casa”, sorri. Para isso, há que reconhecer “o amor ao emblema e o gosto pela modalidade”.
Mesmo que, às vezes, durante os treinos, a voz suba mais alto, o tom seja menos amistoso e os gestos sejam mais nervosos. Quem está dentro da água sabe que isso tem apenas uma intenção: a de ser o exemplo de liderança e força para aqueles que lutam pelos bons resultados. Que têm conseguido ao longos dos tempos, com o título de campeão do Campeonato Nacional e detentor da Taça de Portugal.
Da formação para a equipa principal
Num clube onde a formação é um dos pontos fortes, a aposta nos talentos também passa por aqui. Luís Leite é disso o melhor exemplo. Aos 17 anos, é já a segunda temporada no escalão sénior e sente-se cada vez mais integrado. As dores de crescimento de um jogador que chega dos escalões de formação fizeram-se sentir no primeiro ano, “com uma normal adaptação”, mas hoje sente-se totalmente integrado. Quanto à modalidade, que começou a praticar aos 12 anos, sabe que ela lhe dá “a amizade e a união que não consigo encontrar em mais lado nenhum”.
Percurso semelhante tem Diogo Pinto, de 20 anos, que há 11 entrou no clube diretamente para o polo aquático, impulsionado pela antiga professora de natação. “Eu fazia um bocadinho de tudo, passei pela natação, pelo karaté. Fartei-me de tudo e a minha professora sugeriu-me o polo aquático”, revela. O que aqui encontrou foi aquilo que, ainda hoje, reconhece serem as qualidades de uma equipa como esta: “um espírito de união, de brincadeira com todos e sentido de competitividade”. Criou amigos que o acompanham, amizades que perduram, que nunca lhe falham.
O desporto ensina isso mesmo, a que o compromisso com o desafio seja o compromisso com a vida – e, por inerência, um compromisso que se assume com os mais próximos.
Primeira mão com expectativas positivas
Neste sábado, 18 de janeiro, o Fluvial defronta, na primeira mão dos quartos de final da LEN Challenger Cup, o GZC Donk. O treinador sabe que o jogo não será fácil, é um clube profissional que aposta nos atletas como o Fluvial, por várias razões, ainda não consegue fazer.
“Sabemos que é uma equipa que está uns patamares acima de nós, mas a nossa ambição e resiliência tem de dar frutos”, destaca João Pedro Santos. Para isso muito contribui “termos uma equipa que junta a experiência de atletas com 20 anos de carreira e muita juventude, o que faz com que consigamos ter o melhor de dois mundos”.
Depois de uma jornada em Malta que parecia impossível, mas que foi ultrapassada com toda a coragem, o capítulo nos Países Baixos vai ser encarado da mesma forma.
“Sabemos que os jogadores têm mais experiência, têm mais preparação física e vamos jogar com eles a uma hora a que não estamos habituados, mas não vamos aos Países Baixos para perder”.
Bernardo Mateus, de 21 anos, reconhece a tarefa complicada, mas também sabe que, entre jogos mais fáceis e mais renhidos, há que ambicionar a vitória.
Não se lembra bem de quando chegou ao clube, começou pela natação, mas cedo lhe disseram que, por ali, não dava. “Não batia as pernas a nadar, por isso o melhor era ir para o polo aquático, porque não ia ganhar nada na natação”, reconhece o atleta. Hoje, é um dos “campeões” que embarca para Gouda, nos Países Baixos, com a confiança que conseguirão o melhor resultado possível – “e que venhamos confortáveis da primeira mão para estarmos mais tranquilos na segunda mão”, diz.
Pela frente irão encontrar “gigantes” de 2 metros, “mas tentaremos que eles fiquem do tamanho dos nossos homens, com 1m65”, acrescenta o treinador.
João Pedro Santos sabe que “os homens não se medem aos palmos, principalmente dentro de água”. Basta ter a destreza, a confiança e a força de uma cidade que acredita que esta vitória, suada, será possível.
Texto: José Reis
Fotos: Guilherme Costa Oliveira