Escolhidos após a convocatória lançada pelo Programa de Arte Urbana da Câmara do Porto, os sete trabalhos agora finalizados demonstram a diversidade criativa existente na cidade, numa seleção cuja premissa obrigatória era a utilização do azul (e das suas diferentes tonalidades). Conhecemos quatro destes trabalhos na primeira pessoa, pela voz (vertida em palavras) de quem os idealizou e os tornou realidade.
Sempre estive ligado ao desenho, é uma paixão que desenvolvi enquanto fazia arquitetura. Uma e outra influenciaram-se mutuamente e este desenho reflete objetivamente isso. Quando surgiu esta convocatória foi mais uma oportunidade de me por à prova, de juntar estes dois mundos [o desenho e a arquitetura] num único espaço. Esta ideia do esquisso arquitetónico sempre esteve presente, mesmo durante a faculdade. Ultimamente tenho tentado trazer este processo da arquitetura para o lado do desenho, já que o desenho faz parte do processo. Esta foi a primeira parede deste tamanho. A escala acabou por ser um grande desafio que foi superado com um trabalho intenso e que contou também com muita ajuda. Mas acho que traz uma dimensão ao desenho que o papel não consegue. Aqui estamos quase dentro dos espaços. Um dos objetivos era criar uma dinâmica, um jogo para quem passa. Acho que o público consegue ter essa noção.
Confesso que não sou uma pessoa que vê ou atribui um grande significado ao trabalho. A explicação que tenho para isso é que considero o meu trabalho como uma parte indissociável da minha pessoa. É uma forma de pensar, a minha forma de me expressar e vice-versa. Entendo o meu trabalho como um processo obsessivo, pinto as coisas, desenho as coisas, produzo as coisas, é um processo de ideia fixa. O que está aqui é, basicamente, a reprodução de um desenho que fiz num guardanapo num café. Naquela altura não sei necessariamente de onde veio aquela imagem, mas já estava há uns dias comigo. Um senhor, quando passou por aqui, perguntou-me o significado e a mensagem deste meu trabalho e, na altura, disse-lhe: ‘conhece aquela frase de um touro numa loja de louça?’. Ele riu-se e respondi: ‘É isso!’. Daí o nome desta intervenção: ‘Tudo em paz na loja de cristais’.
Interessa-me, aqui, a incidência que a luz tem sobre as formas em diferentes alturas do dia. Foi este o motivo que me levou a candidatar a este concurso, de demonstrar que a abstração pode ser, afinal, libertadora. As curvas existentes neste túnel permitiram-me construir esta leitura e permitir visões menos óbvias. Usar formas mais abstratas abre o debate sobre este tipo de necessidade de reflexão e não fazer uma imagem ou trabalho criativo que seja simplesmente ‘instagramável’. O azul, que era a cor obrigatória para esta reflexão, permite-me trabalhar esta relação entre a luz e a sombra. O tom escuro que usei permite esse contraste mais evidente, já que quebra a monotonia do branco. Para isso acrescentei ainda uma textura, que procura ser ainda mais marcante nesta relação. Se tem um nome? Não, dar nomes torna a coisa menos aberta. Acho que a interpretação deve ser o mais abrangente possível, não colocando limites à perceção.
Conhecemo-nos na Faculdade de Arquitetura, mas já antes cada um de nós trabalhava individualmente nos seus projetos pessoais. Há poucos meses decidimos encarar, de uma forma mais séria, o nosso trabalho e começar a pensar em conjunto um projeto conjunto. Demos-lhe o nome de Água de Bica. E esta é a primeira vez que pintamos um mural desta dimensão. Para responder à convocatória, decidimos fazer algo seguro: pegamos em todas as cores possíveis [dentro da paleta a concurso] e começamos a desenhar em conjunto, num café. Decidimos aceitar a espontaneidade sem um plano definido, foi um verdadeiro ato de encontro entre duas sensibilidades. Deixamos que a surpresa fosse parte deste nosso encontro. Conseguimos fazer algo que não é realmente apenas de um, que é dos dois. É o início de algo, uma aprendizagem que nos permite partir agora para novos desafios.
Texto: José Reis
Fotos: Rui Meireles
