23/05/2023

Neide Simões, de 34 anos, vestiu durante 11 anos a camisola da Seleção Nacional feminina de futebol. A antiga guarda-redes passou pelo futebol português e internacional e tem, no seu currículo, 77 internacionalizações, na Seleção A e na Seleção Sub-19. Atualmente é um dos nomes de referência, no treino de guarda-redes, fundamental numa equipa, mas que precisa de assumir maior protagonismo.  

 

Nos próximos dias 9, 10 e 11 de junho, o Porto voltará a receber o 12.º Congresso Internacional de Treino de Guarda-Redes, evento que agrega no campo sintético do Parque da Cidade a elite dos guardiões de baliza nacionais e internacionais, para a partilha de conhecimento e práticas desportivas. Vão estar presentes nomes como Pascal Formann (Wolfsburg), Rui Barbosa (Al-Ittihad), Raimond van der Gouw (ex PSV), Toni Doblas (Betis), Christophe Lollichon (Chelsea FC), entre outros treinadores e antigos guarda-redes. Neide Simões será uma das participantes e, antes do início do encontro, esteve à conversa com a Ágora para explicar a sua atual missão: a de defender o futuro do desporto nacional feminino com o treino técnico de jovens esperanças de guarda-redes do distrito do Porto. 

 

Encontramos a antiga guarda-redes no espaço onde treina jovens que, acredita, podem vir a dar cartas no futebol feminino. É com este objetivo em mente que a preparadora física e as desportistas dedicam grande parte do seu tempo no aperfeiçoamento da técnica e no fortalecimento da capacidade física e muscular.  

 

Neide Simões sabe bem o que faz e não será em vão que, das frases escolhidas para decorar as paredes do seu estúdio, saltem à vista três: “Stay Focus” (“Mantém o Foco”), “Stay Consistent” (“Mantém a Consistência”), “Make it Happen” (“Faz Acontecer”). 

 

 

Conforme combinado, às primeiras horas da tarde, encontrámos Carolina Alves, guarda-redes da Seleção Nacional sub-18 e atleta do Valadares, a treinar com Neide Simões. “Quanto mais conseguires saltar, melhor! Foco”, remata. Carolina sabe que manter o foco, estar concentrada e ser consistente no treino é meio caminho andado para atingir o mesmo patamar de excelência que a sua treinadora conquistou ao longo de 19 anos de carreira profissional. “É para ter a oportunidade de atingir o mesmo nível da minha treinadora que aqui venho”, afirma com convicção quando questionada sobre a escolha da mentora. 

 

Tinha 17 anos quando vesti a camisola da Seleção Nacional 

 

Com uma passagem muito rápida pelo futsal em Viseu, Neide cedo percebeu que era no futebol de 11 que iria sobressair. Jogou durante dez anos num clube em Tondela [é natural de Viseu] e daí rumou para a Alemanha.  

 

 

Com apenas 22 anos alinhou no plantel do SC 07 Bad Neuenahr e, um ano depois, foi convidada para as fileiras do FC Colónia, regressando a Portugal dois anos depois, onde acabou a carreira no Valadares.  

 

Paralelamente, o percurso na Seleção Nacional começou também muito cedo. “Quando comecei, em Portugal, só existia a Seleção sub-18, sub-19 e a Seleção A. Tinha 17 anos quando consegui vestir a camisola da Seleção Nacional. Andava no 12.º ano e foi uma loucura para conciliar tudo”, explica-nos. Confessa não ter sido fácil cumprir os objetivos desportivos e escolares, “até porque não tínhamos o apoio que hoje existe, mas com esforço e dedicação lá consegui”. 

 

Foto cedida por Neide Simões

 

Representatividade do desporto feminino 

 

Neide Simões conseguiu chegar ao mais alto nível do futebol feminino, numa altura em que a igualdade de género e a representatividade da mulher no desporto não eram temáticas na ordem do dia. “Sempre tive o apoio da minha família e amigos, apoiavam-me em tudo. São o nosso porto seguro. Depois treinava muito, era muito focada. Quando vim da Alemanha estava habituada a trabalhar todos os dias. Sentia muito a necessidade de treinar e então pedi ao treinador do meu clube da altura [o Valadares] para ir treinar com os seniores masculinos nos dias em que folgava”, recorda. “E foste bem aceite?” – questionámos. “Fui muito bem recebida por toda a gente, dirigentes e jogadores. Mas reconheço que teve de ser um presidente com uma mente aberta para aceitar o meu pedido”, desabafa.  

 

 

Facto é que, atualmente, as jovens atletas têm já “a vida mais facilitada”. “Nunca vamos conseguir comparar. As condições que as jogadoras têm neste momento, nós nunca as tivemos. Está tudo muito diferente e ainda bem… o facto de elas terem esta preocupação e a noção do treino especializado para melhorar a sua qualidade física, é excelente”, destaca. Há atualmente “mais atletas a praticar, mais ritmo competitivo. Só não são melhores se não quiserem”.  

 

Ainda assim, reconhece que há ainda um longo caminho a percorrer na generalização de oportunidades para as mulheres na prática desportiva, não só no “jogo jogado”, mas também na assunção nos cargos de decisão e nos lugares de gestão. As chuteiras não escolhem sexo, mas reconhece que há muito a fazer, “ainda mais no treino de guarda-redes no feminino – e até nos masculinos”, reconhece.  

 

“Existem lacunas. Desde logo tem de haver mais interesse por parte de quem trabalha na secção feminina em querer aprender mais sobre esta posição tão específica”, confessa a antiga guardiã nacional. 

 

“O desporto feminino está a crescer” 

 

 

Mas o caminho faz-se caminhando e a mudança está em curso. “O desporto feminino está a crescer, mas lutamos muito nos clubes, as atletas, as associações”, lembra a treinadora. Neide Simões dá como exemplo a Associação de Futebol do Porto (AF Porto). “Fizeram uma aposta muito grande no futebol feminino e querem mesmo fazer evoluir a modalidade no distrito do Porto. A direção fez-me o convite para integrar as seleções distritais femininas sub-14 e sub-16 para incluir o treino específico de guarda-redes. Só aqui vê-se que é uma associação que opta pela diferenciação”, justifica.  

 

 

Simões reconhece que quer ajudar a alavancar o futebol feminino e os resultados parecem estar à vista. “Só este ano somos três treinadoras, uma fisioterapeuta e uma team manager na AF Porto e isso reflete-se nas competições. Fomos campeãs distritais sub-16 e finalistas nas sub-14, ficamos em segundo lugar. As jogadoras estão a aparecer com mais qualidade. Este é, afinal, um trabalho de todos: atletas, associações, clubes, treinadoras”, remata. 

 

Texto: Sara Oliveira

Fotos: Rui Meireles

Ver também
Notícias