Com o seu trabalho prometem escrever mais um capítulo da longa e diversa história do teatro português. Em diferentes palcos, com diferentes desafios, fazem dos seus medos forças e dos seus sonhos metas a ultrapassar. Sabem que o caminho não é fácil, mas desistir não é verbo que faça parte do seu dicionário. Ao contrário de teatro, que é palavra – e sentimento – de todos os dias. Hoje é o Dia Mundial do Teatro e eles são apenas três personagens de um enredo com um horizonte ilimitado.
Há uma memória “muito quente, muito eufórica” que representa o minuto zero de um percurso notável. “Aos 4 ou 5 anos, naqueles espetáculos de final de ano, colocaram-me como a protagonista de uma narrativa”. Foi aí, nesse momento, que sentiu algo diferente a encaixar-se na perfeição, como uma peça que faltava para dar como concluído um puzzle em construção. “Fui invadida por uma sensação interna de calor, de satisfação, onde não me diziam para estar quieta ou parada”. Um lugar onde a curiosidade podia ser livremente vivida, “um sítio justo que me levava a perceber que algo desajustado habitava a minha vida”. Em resumo, foi um “descontrolo mágico”.
Os 4 ou 5 anos de idade de Carolina Amaral, hoje atriz com créditos reconhecidos no panorama nacional (e internacional), com presença nas fichas técnicas de séries da Netflix e peças de Tiago Rodrigues e Nuno Cardoso, coincidiram com o adeus aos Açores e o “regresso” à terra da mãe, Guimarães.
“Desde que me lembro sempre tive muita energia, era curiosa, hiperativa até. O teatro e a dança, através do ballet, acabaram por me acompanhar desde cedo, nessa busca incessante alimentada por uma inquietude que não se apaziguava, uma energia borbulhante muito pessoal”, recorda.
Há nomes que lhe saltam como referências intemporais: “Pina Bausch, que deixou um trabalho incrível nas abordagens ao lugar sem nome e ao sublime, algo que me inspira. E o Antonin Artaud e o seu ‘Teatro da Crueldade’, descobrir o universo dele impactou-me, a minha pesquisa foi e é muito atiçada por esse imaginário que me atacou”, sintetiza. Foram influências importantes no posterior curso da ESMAE, no semestre que passou na Escola de Teatro e Cinema de Lisboa, no ano de mestrado no Conservatório de Arte Dramática de Paris, logo depois.
Referências que, ainda hoje, crescem numa galeria de notáveis através dos diferentes trabalhos que foi integrando, na televisão, no teatro, no cinema. De “Glória”, série sensação assinada por Tiago Guedes, a “Terra Nova”, processo quase-novelesco realizado por Joaquim Leitão, passando pelo muito esperado – e premiado – novo filme de João Canijo, “Mal Viver”, por “O Misantropo”, de Nuno Cardoso, que lhe confirmou a epifania de um percurso bem definido, até “Iphigénie”, espetáculo de Tiago Rodrigues para o Theatre National de Strasbourg, que a colocou novamente como protagonista de uma produção internacional.
Em cena até dia 2 de abril com “As Bruxas de Salém”, no Teatro Nacional São João, o futuro da atriz passará pela rodagem de um novo filme em África, “onde vou passar um mês, entre maio e junho”, revela, para além de continuar com as digressões em Portugal e França das peças ainda em cartaz.
E lançará um primeiro livro, “objeto com um manifesto e provocações do lugar que me interessa trabalhar enquanto autora. O livro está pronto, a editora é a Andreia Garcia, que será a representante portuguesa na Bienal de Veneza deste ano. Ela entendeu onde eu estava, entendeu o que queria transmitir e está comigo neste primeiro lançamento”, assegura.
Ricardo Ferreira é, aos 32 anos, aquilo que se convencionou chamar de um “homem dos sete ofícios”. Enumera cada função: canta, dança, representa, faz dobragens para filmes e séries de animação, anima festas infantis (com direito a pinturas faciais) e eventos de rua (em andas), espera que “a televisão e o cinema venham a seguir”. “Sempre fui um rapaz que não se contenta em fazer apenas uma coisa”.
Nasceu em Santa Maria da Feira, cresceu entre o Porto e Gaia e está, nestes meses, em Lisboa, a preparar dois projetos que prometem ser notícia. “Um de teatro musical e um concerto encenado”. Com a Disney como denominador comum. Já lá vamos.
Antes, uma viagem à adolescência. “Com 14 anos ingressei numa associação em Paços de Brandão, o CIRAC, onde existia um grupo de teatro, um coro, uma escola de pintura, um jornal, um grupo de atletismo”. Do muito que existia, “o coro e o teatro passaram a fazer parte da minha vida”. Foi ali que tudo começou, que lhe deu certezas de que, por muito que quisesse fugir, não se podia esconder de um destino que tinha os caminhos traçados.
Seguiu-se o curso na ACE – Academia Contemporânea do Espetáculo, “ainda nas instalações ali em cima, na Praça do Coronel Pacheco” (no Porto), um espetáculo de teatro “musical, curiosamente”, no final do curso, e o primeiro casting para um espetáculo com um encenador mais velho, “que sabia bem o que queria”, e que criou um cruzamento curioso entre duas obras aparentemente díspares – “O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá”, de Jorge Amado, e “Romeu & Julieta”, de William Shakespeare. “Tive de cantar, dançar, representar. Foi difícil, mas a melhor forma de perceber que era mesmo o que eu queria”, assegura o ator.
Seguiu-se a confirmação absoluta, com um “musical no gelo”, a “Branca de Neve”, onde lhe foi pedido que fizesse tudo o que sabia fazer e mais ainda: patinar. “E eu não sabia. Tive de aprender. Mas fui. Só aí percebi que, apesar de todas as contrariedades, eu quero sempre desafiar-me”.
Neste ano completa dez anos de um trabalho com companhias mais numerosas e até individualmente, “criando projetos e personagens onde posso decidir tudo, desde o figurino, os gestos e os instrumentos que utilizo”.
O segredo, para ele, “é a versatilidade”. Um conselho que não hesita em partilhar. “E para além de tudo isto, para quem quer fazer carreira, aconselho a terem a noção das capacidades, a serem resilientes, a terem coragem e não desistir”. Porque, admite, “tudo é válido para cada um de nós, desde que nos faça sentido”.
Ricardo será agora Quasimodo no musical “Corcunda de Notre Dame”, que estreia a 1 de abril, em Lisboa. E ultima os preparativos para “Disney in Concert”, espetáculo com músicas do universo Disney e uma orquestra de 56 músicos da Lisbon Film Orchestra, com datas em Lisboa (6 de maio, Campo Pequeno) e no Porto (13 de maio, Super Bock Arena).
De um inocente e habitual “e que tal almoçarmos?” surgiu um “e que tal se fizéssemos algo juntas?”. A sobremesa deu lugar a uma conversa longa num banco de rua junto ao Hospital de São João, no Porto. “Tu és ótima a escrever e eu adoro fazer produção”. Melhor receita é, aparentemente, impossível. “E gostamos as duas de estar em palco”, o condimento que faltava para fechar esse plano.
Beatriz Costa e Raquel Rafael têm 23 anos, saídas da mais recente formação em Artes Dramáticas da Universidade Lusófona do Porto. Uma de Penafiel, outra do Porto, respetivamente, cruzaram-se em disciplinas que tinham em comum no curso, nos primeiros anos, apesar de serem de anos diferentes. “Nem nos lembramos bem uma da outra nesse tempo nem imaginávamos que seriamos amigas, quanto mais ter algo em comum”, revela Beatriz.
O destino fez com que os caminhos se cruzassem muito para além dos corredores da escola. “Desde pequena que frequento clubes de teatro da escola e fiz ballet, até por um problema de saúde”, revela Beatriz. “Frequento companhias de teatro amador desde os 14 anos, uma forma de abrir mais a esta área, porque era muito tímida”, acrescenta Raquel. Ambas descobriram cedo que o teatro era um dos caminhos possíveis. Só mais tarde descobriram que este era mesmo o único caminho.
“Ainda ingressei em Ciências no secundário, erradamente, porque sabia que o meu futuro era o mundo das artes”. Beatriz sabia o que queria. Raquel nunca teve dúvidas. É como se o futuro estivesse escrito nessa descoberta que a infância e adolescência lhes trouxe.
Do sonho à prática, do passado ao presente, do fim do curso ao futuro, criaram esse projeto como forma de complementarem visões muito semelhantes nesta área. “É um projeto que nasce da partilha com outros, um processo de crescimento onde estamos as duas a trocar impressões, onde sabemos que nada termina como começa”.
O nome escolhido para o projeto, Error Teatro, tem essa premissa primordial. “Vem de ‘erro’ como um dos lugares favoritos do teatro, uma porta aberta para novos lugares, mas vem ainda de ‘error’, palavra que existe em português e que significa ‘sem destino’, ‘sem caminho’, ‘devaneio’”, destaca Raquel.
O primeiro grande passo deste primeiro ano (de criação, de construção, de busca, de “sei onde estou, mas não sei para onde vou” desta companhia) foi a estreia de “Estas noites até parecem o começo…”, espetáculo “fora da caixa, sem caixa até”, com dez atores em cena no espaço do Grupo Dramático do Monte Aventino.
Neste texto, os atores procuram, juntos, em monólogos dialogados, a sua própria luz, num espaço que transpira escuridão. Entre movimentos, euforias, choros, desesperos, lutas interiores e uma explosão de confetis, “não há um final feliz. Ficam todos mais resolvidos, mas sem final feliz”.
Na realidade, é o que as duas criadoras procuram, esse final feliz para a companhia que dá passos seguros para o próximo espetáculo mas sabe que isso só poderá acontecer com “união e compromisso” de todos. “Sem isso não faz sentido”, revelam as duas. É o que as leva, de resto, a um sentimento maior: a verdadeira paixão por aquilo que fazem.
Texto: José Reis
Fotos: Andreia Merca e Guilherme Oliveira