01/08/2021

Na edição mais inclusiva de sempre da Missão Férias@Porto, damos a conhecer a parceria criada com a ADADA – Associação de Desporto Adaptado do Porto para ações de sensibilização ao longo das várias semanas desta atividade. Porque a deficiência não é limitação para se alcançar os sonhos, a associação promove conversas e jogos para que todos entendam que “somos todos diferentes, mas todos iguais”. Que o diga o Renato Oliveira, convidado para partilhar o seu testemunho com os mais pequenos.

 

Todos o ouvem em silêncio. Todos o olham com curiosidade. Todos seguem, com atenção, a história que lhe alterou os dias. “Tinha 18 anos quando um acidente mudou a minha vida”. A história começa assim. Ou melhor, a história da nova etapa da vida do Renato começa assim. “Estava com o meu irmão gémeo quando tivemos um acidente grave. Era o ano de 2000”. Felizmente não foi fatal para os dois. Infelizmente não foram só danos superficiais para um deles. “O meu irmão saiu ileso. Eu, infelizmente, fiquei com sequelas para a vida”. É dessas sequelas, que não foram um fim mas um reinício, que fala, neste encontro no Monte Aventino, numa manhã de sexta-feira.


Renato Oliveira tem hoje 39 anos. Há 21 um acidente retirou-lhe a vitalidade e desenvoltura completa da parte esquerda do corpo. O braço perdeu densidade muscular, a perna ficou com muitas limitações. “Todo o lado esquerdo do meu corpo teve muitos problemas. Melhorias, eram poucas. Ia aguentando, mas as coisas foram ficando piores. Ao longo dos anos, fui falando com pessoas, pensei muito, chorei muito. Quando as coisas estavam mais estáveis tive mais problemas na perna”. E tomou a decisão. “Amputei a perna”.


 

Fazer o que os outros fazem

Renato é nadador profissional. Começou a nada cedo, “aos três anos”. Nunca imaginou deixar de o fazer por causa do acidente. Com a decisão que tomou, de ser ver livre do maior problema, ganhou qualidade de vida. “Passei a ter uma vida muito melhor”, refere. A cada capítulo da história, os mais pequenos não descolam o olhar de um pormenor: a perna de ferro que Renato usa, uma prótese que o acompanha para todo o lado. “Quando as expectativas eram que teria que alterar muita coisa na minha vida, eu sabia que isso não ia acontecer. Tomei a atitude certa e não me arrependo de nada”.


Continua a nadar, ainda hoje. “Dentro de água é onde me sinto melhor, é como se sentisse o corpo sem qualquer limitação”. Usa a parte direita apenas para nadar. Os mais pequenos abrem os olhos de espanto. “E andas de bicicleta?”, pergunta um. “Sim, com a mão direita apenas”. A limitação da parte esquerda do corpo não foi impeditiva. Mudar a perspetiva fez abrir novos horizontes numa vida que renasceu. “E essa perna pesa muito?”, alguém pergunta. Melhor que dizer, é sentir. “Queres pegar nela?”. E todos acorrem a sentir o peso de uma perna de ferro, que eles julgavam só existir nos filmes dos super-heróis.



ADADA como parceira

Renato Oliveira é um dos atletas da ADADA, a Associação de Desporto Adaptado do Porto que, neste ano, criou uma ligação à Missão Férias@Porto, por forma a demonstrar que na diferença está a riqueza da comunidade. “Procuramos promover a inclusão, demonstrar que todos temos direito a oportunidades iguais, mesmo que as limitações sejam mais notórias”.


Pedro Lima é um dos representantes desta associação e treinador de natação de atletas com deficiência. É o treinador de Renato, o convidado para falar nestas ações de sensibilização. “É importante que todos percebam que devemos ter as mesmas oportunidades e que a deficiência não é um impedimento para nada”, assume o treinador, dando o exemplo concreto da Missão Férias.


“Temos algumas crianças com limitações a frequentarem a edição deste ano. Criamos esta parceria, demos formação especializada aos técnicos e afetamos profissionais aos alunos com estas necessidades, por forma a integrá-los o mais possível. Criamos as condições desejáveis para que pudessem usufruir com toda a qualidade”. Uma resposta necessária em tempos fundamentais. “É uma lacuna que existe, a de potenciar férias com qualidade para crianças com necessidades especiais. Felizmente que a Missão Férias criou esta possibilidade, dá a estas crianças as mesmas oportunidades que às restantes”, sintetiza Pedro Lima.


 

Seguir com a vida

Neste ano, há limitações de vários níveis, como crianças com paralisia cerebral até miúdos com limitações motoras e físicas de ordem diversa. “Mas todos foram acolhidos da melhor forma, sem diferença, sem estranheza. Todos forma recebidos com sorrisos por todos os companheiros”, orgulha-se o responsável. Uma opinião corroborada pelo atleta Renato Oliveira. “Sinto que os mais novos têm consciência da deficiência desde cedo”.


Perante as perguntas dos presentes – “quais os obstáculos que tiveste que superar”, “o que deixaste de fazer”, “como bates palmas só com uma mão”, “dormes com a perna colocada” -, o atleta responde que o essencial é saber que “as contrariedades não são o fim. Temos que chorar sobre o assunto e não perder tempo. É partir para a frente, sem medo que os outros olhem”. Todos olham, mas, neste caso, sem desdém.


A admiração é a nota dominante no rosto de todos os que o acompanharam nos últimos minutos. “Até brincam comigo a dizer que tenho ‘braço de palito’. Eu não me importo que brinquem com isso”, ri, acrescentando a mais-valia de se ter uma perna de ferro. “Reparem: o pé não cheira a chulé, não preciso de cortar as unhas e não fico com as unhas encravadas”, esclarece, perante a gargalhada geral.


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