Todas as semanas, os utentes da Piscina da Constituição, com mais de 60 anos, são desafiados a uma aula diferente. Com o objetivo de alinhar corpo e mente e aprender técnicas de defesa pessoal, são convidados a descobrirem o kenpo, uma disciplina que potencia o exercício físico, a destreza e o equilíbrio mental. Porque o segredo é viver “saudavelmente” todos os dias. Acompanhamos uma destas aulas… com lotação esgotada.
“Isto depois do ioga, vou dizer-lhe…”
Augusta desabafa para a colega do lado, enquanto baixa os braços com lentidão, a pedido da professora, lá à frente. A provocação, ao fim da primeira ronda de movimentos, é ouvida por todos. E tem reposta pronta de quem orienta as “tropas”.
“Mas vocês acham que vêm aqui para dançar? Vão dançar ao meu ritmo”.
Ouve-se, cada vez mais alto, “Eye of the Tiger”, talvez o maior (e único!) hit dos norte-americanos Survivor, que ganhou destaque internacional graças à saga do pugilista Rocky, no grande ecrã.
Ao ritmo das batidas, a pressão aumenta. O olhar semicerra-se. O golpe é para ser dado com força, a um ser imaginário que a professora, à frente de todos, pede que seja encarado com determinação, com coragem e com firmeza.
Apesar de cansada, Augusta Madeira não desiste. Resiste. Insiste, até. Tem 79 anos, vive no Porto – “na Rua Firmeza” - e repetiu a experiência pela segunda semana consecutiva.
“Na semana passada só fiz metade da aula, porque cheguei atrasada, mas olhe… gostei”, e explica que aquilo que vemos à nossa frente é “um tai chi com um ioga, é tudo misturado, é tudo junto”.
Alinhar corpo e mente
Na realidade, é tudo isto misturado – e algo mais. Com todos os ingredientes misturados, o resultado é o kenpo, “uma disciplina que junta arte de luta e de defesa pessoal, que usa técnicas de combate, mas que se adapta facilmente a cada realidade e idade”, irá dizer-nos Marta Ambrósio, a monitora responsável pela formação, já na conversa após o final da aula.
Para Augusta Madeira, o encontro é excelente, “porque aprendemos de tudo um pouco, embora não saibamos fazer como a professora”, assume. No entanto, admite atingir “boas metas para o corpo e para a mente, principalmente a mente”.
Alinhar corpo e mente é, de resto, o mais complicado para quem nunca experimentou estas técnicas. “É como se através destas técnicas [que lhes ensino] acordasse o espírito de jovialidade que todos têm e que, nalguns casos, pode estar adormecido”, avança a professora.
Opinião complementada por Maria Lencastre que, de Campanhã à Constituição, teima em não perder nenhuma das aulas semanais. “Sinto um equilíbrio, uma paz, uma tranquilidade, que nem lhe consigo explicar”. Um “misto de emoções” que ajuda esta utente, de 74 anos, a relaxar e a “alinhar a cabeça”.
“Sinto que aqui consigo ser eu própria e toda a gente é capaz de experimentar estas aulas”, avança, logo acrescentando que, no calendário, está já marcada a presença nas próximas aulas.
Novos desafios para os mais velhos
Marta Ambrósio é, em (grande) parte, a responsável pelo sucesso deste projeto. O “Saudável-Mente” é uma iniciativa da autarquia, operacionalizada pela empresa municipal Ágora, e que encontra em Marta, uma “lisboeta apaixonada pelo Porto”, a cúmplice perfeita para fazer vingar este novo desafio.
“Este novo desafio [de levar a técnica do kenpo aos mais velhos] surgiu depois de ter trabalhado anteriormente com os seniores. Foi com eles que comecei o meu trabalho na cidade e foram eles que me ensinaram que as atividades são, afinal, adaptáveis a cada um e que o importante é mesmo sair da zona de conforto”, revela Marta Ambrósio.
As aulas do projeto acontecem todas as quartas-feiras, entre as 10h30 e as 11h30, e são dirigidas à população residente na cidade do Porto, com mais de 60 anos, com o objetivo de fomentar um envelhecimento ativo e saudável e contribuir para o aumento da resistência física, da promoção do equilíbrio e da mobilidade, assim como incentivar a uma maior agilidade.
“Eles chegam a esta fase e querem ser realmente desafiados, e quando conseguem ver que, afinal, ainda lhes é possível fazer muitas coisas, isso é verdadeiramente uma fonte de motivação”. Fonte de motivação e de confiança, entram na sala com um sorriso no rosto e saem, mais tarde, com uma leveza de espírito visível a olho nu.
Limitações não impedem participação
“Os vossos netos não fazem aquilo que vocês fazem aqui, acreditem em mim”.
A motivação de Marta é, afinal, contagiante. A cada tirada, um novo movimento. A cada novo movimento, um sorriso, um piscar de olho, um braço mais velho que (entre)ajuda o outro braço ainda mais velho e que se apresenta mais cansado.
“Cada um ao seu ritmo, todos vamos chegar lá”.
Desde o primeiro momento que estas aulas têm registado uma forte adesão. Muitas caras repetem-se semana após semana. Fruto da curiosidade e da empatia criada com Marta e na forma acolhedora como todos são recebidos.
“O meu principal objetivo tem sido passar esta minha paixão pela arte, que me ajudou imenso e que, acredito, pode ajudar outras pessoas. Todos temos limitações, mas o importante é que aqui todos estamos disponíveis a puxar uns pelos outros, a incentivarmos e fazermos com que todos se sintam à vontade”, finaliza Marta, de sorriso nos lábios, brilho no olhar, enquanto saem, devagar, os últimos alunos.
À saída interpelamos ainda Irene Teixeira que, aos 78 anos, só teme não conseguir horário para participar em todas as aulas em que gostaria de estar integrada. Residente no Bonfim, frequenta regularmente este complexo desportivo e depois de duas aulas, está pronta para a terceira.
“Já estou inscrita”, diz, orgulhosa. Assume que as aulas a têm ajudado “muitíssimo” no dia a dia, a mexer-se mais e com mais qualidade, e recomenda “a todos” que experimentem esta nova aula.
Mas, afinal, do que mais gosta no “Saudavelmente”? “Olhe, de tudo. Adorei tudo, adoro tudo, tudo. A aula, a professora, de tudo. Mesmo de tudo”.
Se dúvidas houvesse, as palavras de Irene sintetizam o sentimento comum dos participantes que, todas as semanas (e todos os dias!), não abdicam de viver a vida… “saudavelmente”.
Texto: José Reis
Fotos: Rui Meireles