23/04/2024

A Revolução de Abril ainda estava quente, quando, a 25 de maio de 1974, foi fundado o Centro de Atletismo do Porto (CAP). Tudo começou com um grupo de jovens atletas que decidiu lutar pelo amor a uma modalidade e formar um clube. A história diz que já passaram 50 anos.

 

A linha de partida trouxe alguns desafios. Os atletas estavam em autogestão e todos tinham de fazer um pouco de tudo. Sem qualquer apoio financeiro, a deslocação e a participação em competições só era possível com a ajuda da família e dos amigos. As adversidades tornaram-nos mais fortes e o Centro de Atletismo do Porto é a prova viva. Para alguns atletas, o CAP também representa liberdade. Foi uma oportunidade de sair de casa, das “saias da mãe”, e até de fugir ao serviço militar.

 

Em 1981, Rosa Mota começou a competir pelo Centro de Atletismo do Porto, o que faz deste um dos quatro clubes do país com um título olímpico.

 

A história dos 50 anos do CAP vai sendo contada através das conquistas, das adversidades, das oportunidades e dos acasos. Uma história que é um testemunho da paixão pelo desporto.

 

 

“Aqui formamos pessoas”

 

Ainda não são 18h00 de uma quinta-feira e os primeiros atletas começam a chegar ao Parque Desportivo de Ramalde. O treino arranca às 18h30. Na pista de tartan começam a formar-se vários grupos, divididos por escalões: benjamim (sub-10 e sub-12), infantil (sub-14), iniciado (sub-16) e juvenil (sub-18). Há ainda o grupo de lançamentos e o de saltos.

 

Entre voltas à pista de atletismo, sprints, salto de barreiras, os treinadores vão dando orientações. “Leonor, não é para saltar para a frente, é para saltar para cima”. Arménio Carvalhais é um dos fundadores do Centro de Atletismo do Porto e atualmente treinador dos iniciados e juvenis.

 

Saltador e maratonista, tinha 16 anos quando começou a praticar atletismo. “Fui para o atletismo, porque sabia que a tropa vinha aí. Tinha um amigo que treinava no FC Porto, fui prestar provas, gostei e juntei-me à equipa de atletismo em 1970. Mas na época 1973/74 não estava satisfeito e, juntamente com oito atletas, decidimos sair e fundamos o CAP”.

 

Já lá vão 50 anos, “mudamos completamente o paradigma, fazíamos tudo. Eramos atletas, treinávamos sozinhos, estávamos em autogestão. Não tínhamos dinheiro, os pais financiavam todas as deslocações. O primeiro subsídio que recebemos foi da Direção Regional de Desporto, 10 contos (50 euros) e foi para pagar as viagens”, recorda Arménio Carvalhais.

 

 

Com a camisola vermelha do CAP vestida, não hesita em afirmar que o Centro de Atletismo do Porto conseguiu destacar-se desde o primeiro dia. “Os atletas que vieram para o clube eram dos melhores naquela época a nível regional. Tínhamos atletas muito bons nas barreiras, nas disciplinas técnicas e começamos logo a dar nas vistas. Mais tarde veio a Rosa Mota, a Marta Moreira, atletas com visibilidade nacional e chegamos a ser campeões nacionais da segunda divisão de feminino no final dos anos 80”.

 

Desde o primeiro dia no CAP, Arménio Carvalhais afirma que não dá nada ao atletismo, só recebe. “O que me interessa não é se são os melhores, mas no fim vê-los felizes, perceber que melhoraram a marca, nem que seja um milímetro ou um centímetro. Não temos as condições ideais, mas fazemos o melhor que sabemos. As conquistas da Rosa Mota foram um orgulho brutal, mas pessoalmente o maior orgulho é o facto de podermos estar ainda a dar formação aos miúdos, o gosto pelo atletismo e a amizade entre eles, dentro e fora do clube”

 

Hoje, no Parque Desportivo de Ramalde, o espírito de luta continua vivo. Manuel Sá é o presidente do CAP. “Sou presidente porque alguém tinha que assumir este papel, mas aqui somos todos iguais”. Fundista, de 5 mil e 10 mil metros, conta com mais de 30 maratonas nas pernas. Entrou em 1977. “Refugiei-me no atletismo. Os meus pais queriam que eu fosse trabalhar. Aqui, recebi a liberdade de sair de casa, de poder participar em provas, nos treinos, sinto uma gratidão muito grande pelo atletismo”.

 

Na década de 90, o CAP abre a Escola de Atletismo Rosa Mota e chegou a ter mais de 200 atletas, mas muitos saíram para outros clubes, porque não eram remunerados.

 

 

No ano 2000, deixou de ter formação e Manuel Sá era o único atleta a competir pelo CAP. “Começamos a viver com grandes dificuldades financeiras, era necessário pagar pelo uso da pista de atletismo, pagar os banhos no INATEL, o que muitas vezes só era possível, porque eram pagos pelo José Pedrosa e pela Rosa Mota”.

 

Em 2014, o CAP decide apostar na formação e organiza a Corrida Portucale, com o objetivo de angariar verbas para reativar a Escola de Atletismo Rosa Mota. Em 2015 conseguiram 14 inscrições, em 2016 aumentou para 70 e atualmente são cerca de 100 os atletas inscritos no CAP.

 

O presidente, Manuel Sá, lamenta que o apoio dado ao atletismo seja muito inferior ao atribuído a outras modalidades. “Tendo em conta o nosso trabalho, merecemos e precisamos de mais. Só pedimos que nos deem condições para podermos trabalhar”.

 

Uma das apostas para a época desportiva 2023/24 é conseguir os mínimos para os Campeonatos do Mundo de Lançamentos e a participação no Campeonato Nacional de Juvenis. “Tiramos os miúdos da rua para estarem aqui a praticar desporto. Continuamos a ter futuro, o atleta não desiste, pode estar cansado, mas tenta ir até ao fim. O futuro vai ser feliz. Quero ter campeões, mas antes disso quero ter pessoas”, diz Manuel Sá.

 

 

Técnica, força e velocidade

Dos benjamins aos veteranos, estão representados seis escalões e 26 disciplinas de atletismo no CAP. Na pista, nomes como Catarina Flor e Francisco Pereira destacam-se no lançamento de martelo. Em 2022, Catarina Flor participou no Campeonato Europeu de sub-18, em Israel, e é recordista regional de juvenis no lançamento de martelo.

 

Tem 18 anos e pratica atletismo há quase dez. “O martelo é dos lançamentos mais difíceis, é o que tem a técnica mais diferenciada, é mais desafiante, requer muito trabalho e muitas aptidões, sobretudo força e velocidade. É o que mais gosto.”. O objetivo para esta época é “conseguir os mínimos para o Campeonato do Mundo de sub-20, que se vai realizar no Peru”.

 

Francisco Pereira tem 17 anos e também se destaca no lançamento do martelo. Mas, curiosamente, começou no atletismo pela marcha. “Na pandemia não tinha onde praticar e comecei a acompanhar a minha mãe que é lançadora de martelo. Gostei, a técnica começou a sair. No final da pandemia deixei o clube onde estava e mudei-me para o CAP, porque era o que tinha as melhores condições. Somos muito unidos, com pouco conseguimos fazer muito”.

 

Para esta época desportiva, os objetivos de Francisco Pereira estão bem definidos: conseguir os mínimos para o Campeonato do Mundo de sub-20.

 

Exemplos que enchem de orgulho o presidente, Manuel Sá. “Vamos ser humildes, somos a melhor escola de formação de lançadores de Portugal”.

 

 

De um “castigo” nasceu uma marchadora

 

Rebeca Albuquerque tem 14 anos, é atleta de marcha. “É uma disciplina nova para mim. Conheci-a com o meu treinador, o Pedro Sousa, que decidiu apostar em mim. Eu experimentei, gostei e fiquei”.

 

O presidente do CAP, Manuel Sá, conta que “a Rebeca é a única marchadora do clube, mas ela iniciou esta disciplina na sequência de um castigo. Não recordo o motivo, mas o treinador mandou um grupo de atletas dar quatro voltas à pista de atletismo. A Rebeca destacou-se pela velocidade e rapidez. Naquele momento o treinador disse: a Rebeca vai ser a nossa marchadora. Foi uma boa aposta, ela gosta muito de marcha e já participou numa prova com bons resultados”.

 

Pedro Sousa faz parte da equipa técnica do CAP. “Cheguei aqui em 1993. É uma família, o ambiente é diferente, somos exigentes sobretudo com os escalões mais velhos, mas não há grande pressão. Como treinadores temos orgulho nos resultados, mas acima de tudo queremos formar pessoas.

 

Para Pedro Sousa o maior desafio é o aspeto financeiro. “O atletismo não dá muita receita, mas dá muita despesa e não temos grandes apoios. Mas não desistimos”.

 

O futuro escreve-se com o presente

 

O grupo dos Benjamins (sub-10 e sub-12) não para de crescer, de ano para ano. Joana Pinheiro é a treinadora dos mais novos. “Aqui fazem um pouco de tudo. Com muita brincadeira, praticam salto, corrida, velocidade, resistência, lançamentos, etc. Aqui sabem que têm de aprender a competir, mas sem pressão. Têm de saber que às vezes perdem e o importante é divertirem-se”.

 

 

Entre os sub-18, Mafalda Andrade e Celso Glória brilham no salto à vara. Mafalda tem 15 anos e está há cerca de três no CAP. Em 50 anos o Centro de Atletismo do Porto só teve uma saltadora e agora com Mafalda recuperam a aposta nesta disciplina.

 

“É muito exigente, o salto à vara exige muita técnica, mas também é divertido. Neste momento estou a trabalhar para conseguir os mínimos para participar nos Nacionais”. Quanto à escolha do clube onde treina, Mafalda Andrade não poupa elogios. “O ambiente, as pessoas, os treinadores, é muito bom estar aqui”.

 

Celso Glória tem 17 anos e está há seis anos no CAP. Domina o salto em altura, o salto com vara e é velocista. Conta que na hora de escolher o clube nem pensou duas vezes. “Gosto muito do espírito que aqui se vive. Estou a trabalhar para participar, este ano, no Campeonato Europeu de sub-18 de Atletismo”.

 

 

Atualmente, o Centro de Atletismo do Porto tem o apoio da Ágora e do Instituto Português do Desporto e Juventude. A inscrição no CAP é gratuita.

 

No dia 1 de maio, realiza-se o Meeting de Atletismo do Porto - António Ferreira, organizado pelo CAP, encontro que marca o arranque das comemorações dos 50 anos do Centro de Atletismo do Porto.

 

Texto: Rute Fonseca

Fotos: Nuno Miguel Coelho

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