As aulas de zumba, no âmbito do programa municipal “No Porto a Vida é Longa”, retomaram esta semana, com presença de muitos participantes que repetem a experiência. “Sem medos, que daqui a uma semana será mais fácil”, incentiva a formadora. Porque “quem dança seus males espanta”. Acompanhamos as aulas de zumba no Monte Aventino, na manhã de sexta-feira, 5 de novembro.
Alzira não faz a coisa por menos. Se o dia é de (re)encontro, o visual não é descurado. Se a aula é de “festa” – “porque zumba, para mim, é festa” -, nada é deixado em mãos alheias.
Vestiu o casaco azul de pequenos brilhantes – talvez usado noutros momentos de igual importância pessoal - e decidiu pontuar as pálpebras com um ligeiro risco preto, como que a realçar a cor vibrante dos seus pequenos olhos.
“Eu gosto é de me mexer, gosto de tudo o que me faça mexer. Não quero saber se faço bem ou se faço mal, o que me importa é mexer”. Festa é festa.
Alzira Martins tem 69 anos, vive na Avenida Fernão Magalhães, a poucos passos do Monte Aventino, um dos locais onde decorrem as aulas semanais de zumba, uma das modalidades da iniciativa “No Porto a Vida é Longa” na qual se inscreveu, neste ano.
Este é um programa municipal que incentiva os maiores de 60 anos, residentes na cidade do Porto, à prática desportiva regular, e que decorre entre novembro de 2021 a dezembro de 2022 (com exceção do mês de agosto).
A poucos minutos do início da primeira aula, é uma das participantes mais ansiosas, mas irrequietas, mais faladoras, como se o aquecimento começasse ali mesmo, no corredor de acesso à sala.
Veio com a irmã, “ela é muito faladora, mas agora está para ali, a dizer que não quer falar”.
À hora marcada, 10h00, sexta-feira de um sol quente, um sorriso surge na porta, aberta de par em par. “Bem-vindos! Prontos para uma aula para mexermos bem o nosso corpo?”
Katarine Flower é quem surge na ombreira. É a nova formadora das aulas de zumba do programa municipal, uma desconhecida da maior parte dos alunos, mas recebida já de braços abertos.
Dançar ao seu ritmo
Todos entram na sala e posicionam-se, com o distanciamento devido, enquanto Katarine prepara o sistema de som.
“Este tempo é para relaxarmos e exercitarmos o mais possível. Mas, acima de tudo, é para nos divertirmos todos juntos”, avisa, no tom açucarado de um português com sotaque do Brasil.
Primeira música, primeiros movimentos de pés, de pernas e de ancas. Ao ritmo da música que ouvem ou ao ritmo do que lhes é possível.
“O importante não é acertar nos passos à primeira, é deixar que o corpo se habitue ao movimento e, com a frequência, os movimentos acabarão por sair de forma mais fluida”, explicar-nos-á a formadora.
Para Katarine, o segredo destas aulas é que elas… não sejam apenas aulas, na aceção mais redutora (ou simplista) da palavra.
“A zumba envolve dança, atividade física, diversão, é aquele gostinho especial a festa”, sorri, acrescentando que, “sem se aperceberem, as pessoas estão a exercitar-se, a divertir, a movimentar as articulações, a ganhar mais saúde e vitalidade, a cuidar da saúde mental. E tudo isto numa atividade totalmente lúdica, festiva, ideal para seniores”.
Para além desta modalidade, o programa contempla ainda aulas de pilates, ioga, boccia, ginástica, cardiofitness, danças latinas e atividades ligadas ao bem-estar do corpo e mente.
As inscrições nas modalidades ainda podem ser efetuadas, nas Piscinas de Cartes e da Constituição.
Ocupar a reforma
É também por isso que, por mais edições que venham, Etelvina Teixeira, residente na Areosa, já decidiu. “Experimentei todas as atividades do programa, mas a que mais gosto é a zumba. É a mais alegre, a mais divertida, a que faz com que me mexa e conviva com os colegas sem estar a fazer o exercício físico habitual”, admite.
Há sete anos que frequenta o programa e hoje, aos 70 anos, não encontra melhor atividade para ocupar “saudavelmente” o tempo que a reforma lhe trouxe.
“Há dias em que venho aqui e não estou muito bem, por várias razões. Chego aqui, encontro as minhas colegas e fico logo bem. É mesmo um programa saudável, também por isto”, finaliza.
“Porque, acredita, o exercício salva”, acrescenta Katarine Flower, em jeito despachado. “Estas pessoas acabam por ter um objetivo, saem de casa com mais vontade, para socializarem com outras pessoas. Tudo isto faz com que se sintam mais felizes e, consequentemente, terem uma saúde mais forte”. No fundo, a máxima “ter mente sã em corpo são” também se aplica (bem) aqui.
Ansiedade pelo regresso
A ansiedade de Josefina fez com que se enganasse nas horas. “Cheguei mais cedo uma hora, achava que a minha aula era mais cedo. Mas pedi à professora para assistir à aula anterior e acabei por perceber ainda melhor os movimentos”.
Sem querer, teve uma aula dois em um – a primeira para ver, a segunda para colocar em prática. “Bem, acabei por dançar nas duas, na verdade”, pisca o olho.
Josefina Paradela, de 75 anos, é de Ramalde, perdeu as contas aos anos em que já frequenta o programa, mas ainda se lembra do momento em que aderiu à iniciativa.
“Foram amigas minhas que me trouxeram para estas aulas, uma oportunidade para fazer exercícios e conhecer novas pessoas”.
Experimentou quase tudo o que o programa tinha (e tem) para oferecer e até se regozija por ter sido ela que, a pedido e com muita insistência, conseguiu com que a zumba fosse considerada no cartaz das modalidades.
“Falei tanto desta atividade, pedi tanto para a colocarem que, um dia, fizeram-me a vontade”, admite, a sorrir.
E, por isso, e por mais anos que passem, nunca irá trair a sua modalidade de eleição.
“Aliás, estou também inscrita num ginásio e a primeira pergunta que lá fiz, quando cheguei, foi: ‘tem zumba?’”, conta, acrescentando: “é que se não tiver, não quero”.
Para explicar o porquê de tanta devoção à atividade, o exagero ganha forma de realidade: “É que sempre que danço saio com uma alma nova”.
Manter a saúde mental
Perante tamanha adesão, Katarina Flower arrisca uma justificação: “o corpo precisa de movimento, não fomos feitos para estarmos parados. O movimento previne as maleitas e cura as doenças, disso não tenho dúvidas”, reiterando que a atividade “pode ser feita por qualquer pessoa, das crianças aos mais idosos”.
“Só os senhores têm mais vergonha”, lamenta. Nas duas aulas que assistimos nesta manhã de sexta-feira, e num conjunto de 13 participantes inscritos, apenas um era do sexo masculino.
“Para as senhoras é mais natural, desde pequenas que dançam mais, mas esta é mesmo uma atividade para toda a gente”, diz a formadora.
“Qualquer atividade física é boa para mantermos a saúde mental. Insisto nesta ideia porque foi o que mais saiu fragilizado neste período de pandemia. É preciso recuperar essa vitalidade”.
É agora hora de arrumar as coisas, os exercícios terminam por hoje. A música deixou de tocar, a sala prepara-se para receber outra modalidade, os aparelhos são movimentados para dar lugar a outros “atletas”.
Etelvina Fernandes, de 74 anos, uma das mais atentas, caminha já em direção à porta quando a interpelamos.
“- Gostou?”
“- Eu sei que não danço muito bem, mas gosto de dançar, de mexer o corpo. Sei que não faço bem, mas faço como sei”.
“- E recomenda esta atividade a mais pessoas?”
“- Sem dúvida, faz bem a tudo. Mesmo tudo, acredite. Já experimentei outras atividades, mas esta é a minha preferida, é a mais completa para mim”.
“- E vai voltar todas as semanas?”
“- Não tenha dúvidas. É mesmo bom vir aqui. Está? Obrigado”.
Sai porta fora, desce as escadas e segue estrada fora, devagar, casaco vestido e mala na mão, que a sua casa, no Bairro das Antas, não fica longe. É ali ao lado, ao virar da esquina.
Por hoje, pensa (ela e todos), a missão está cumprida.