23/09/2022

João Vieira, do Centro de Karaté Goju-Ryu do Porto (CKGR), é um menino-prodígio e uma das grandes esperanças no karaté nacional. Só este ano já conquistou três medalhas de ouro – a primeira no Campeonato Nacional, categoria kata indivual, a segunda em Praga, no Campeonato da Europa Absoluto EKF, e, mais recentemente, em Itália, no Campeonato do Mundo de Goju-Ryu, na categoria de kata. 


Atualmente assume a terceira posição do ranking mundial absoluto da categoria. Um verdadeiro feito, se pensarmos que este jovem portuense tem apenas 15 anos e já arrecadou 150 medalhas. Mas nada acontece por mero acaso. E este percurso, ainda curto, é pautado por muito esforço, disciplina, força de vontade e trabalho. Da família, que o apoia incondicionalmente, herdou a inspiração e a tenacidade do irmão, André Vieira (seu agente) karateca também ele medalhado aqui e além-fronteiras. Fomos conhecer João Vieira no ginásio onde ocupa grande parte dos seus dias, acompanhado do seu treinador e sensei, José Carvalho, o atual selecionador nacional de karaté.



- Começaste a praticar karaté cedo, com apenas 3 anos. Foi um desporto que te cativou de imediato ou foste influenciado pelo teu irmão e antigo karateca, André Vieira?

 

A influência do karaté na minha família nasceu com o meu irmão. Com a idade que os meus pais acharam apropriada decidiram inscrever-me na modalidade. Se correu bem com um filho, iria correr bem com o outro filho! (risos) E assim foi. É óbvio que não pensei logo que seria o karaté que queria seguir, mas o gosto pela prática foi crescendo comigo. Desde pequeno, via no meu irmão, um exemplo até porque ele é um atleta completo, exigente, de renome nacional e internacional. Sempre foi um orgulho ter um medalhista dentro de casa e uma inspiração!


- Descreve-nos o teu percurso desportivo.

 

Como disse, comecei com três anos e inscrevi-me na competição com os meus 6 ou «anos de idade. Fiz o meu primeiro campeonato do mundo Goju-Ryu na Roménia, consegui o 2ª lugar. Mais tarde participei no Campeonato europeu de Goju-Ryu na Maia e sagrei-me campeão da Europa. Devido à pandemia, as competições pararam completamente. Confesso que foi uma altura difícil, mas nunca deixei de treinar. Tive a oportunidade de ajudar o meu sensei nas aulas online e continuei a trabalhar na minha prática, o que me ajudou no regresso às competições. Este ano consegui o título de campeão nacional, depois trabalhei para a Seleção, correu bem, e no Campeonato europeu fui campeão europeu absoluto em todos os estilos. Uma semana e meia depois, viajámos para a Croácia, para a Youth League, consegui o terceiro lugar na categoria kata individual, que integra uma das etapas do circuito mundial de karaté. Já tinha participado neste campeonato em Veneza e no Chipre, fiquei no top 10. Mais recentemente consegui três medalhas de ouro – a primeira no Campeonato Nacional na categoria kata individual; a segunda em Praga, no Campeonato da Europa Absoluto e, mais recentemente, em Itália, no Campeonato do Mundo de Goju-Ryu, na categoria kata.


- Da forma como falas parece fácil, mas há aqui muito trabalho, força de vontade e disciplina.


Este é um trabalho difícil, mas há duas qualidades que me caracterizam: o esforço e a dedicação. Há dias que não me apetece ir ao treino, mas eu sei que tenho de ir. É o meu trabalho. O karaté é um gosto, mas tem de existir muita disciplina. Temos de trabalhar para alcançar, no futuro, os nossos objetivos.


 

- O que é o Kata, qual é a sua essência?


Pratico desde pequeno. O caminho puxa a praticar o kata. É a demonstração pura do karaté e uma forma de o atleta também demonstrar a sua personalidade, quem somos, a nossa postura dentro da competição…

 

- … e como mostras isso no tapete?


É pela forma como entramos, como nos apresentamos aos árbitros, como aquecemos, como praticamos o kata, a forma como gerimos os momentos em que devemos impor força ou não. É nesses atos que conseguimos mostrar a nossa personalidade, o que temos de diferente.


 

- Na tua vida de adolescente, com os amigos e na escola, deves já ter experienciado algumas situações mais complicadas e tensas. De que forma a prática desportiva te ajuda a lidar com os obstáculos do quotidiano?


Ajuda-me muito. O karaté é uma descarga de stress. O karaté ajuda-nos muitas vezes a pensarmos antes de agir e de falar. Nessas situações decido afastar-me, deixar a pessoa respirar, estar no canto dela e dar tempo e, mais tarde, falo com essa pessoa e resolvemos as nossas divergências. Não reajo no calor do momento!

 

- É fácil conciliar com a tua vida escolar com os treinos?


É difícil. Não posso dizer que é fácil, mas… quem corre por gosto não se cansa. É sempre possível conciliar tudo. Faço treino físico todos os dias às 06h30 da manhã antes de ir para as aulas. Às 08h30 vou para a escola, faço o horário normal de aulas e regresso ao trabalho no ginásio com o meu sensei às 20h00 e termino às 21h30. Trabalho duas vezes por dia e se tiver estágio da Seleção, treino também ao sábado e domingo de manhã. É um horário apertado, mas sou organizado. Os treinos não interferem no meu horário escolar.


 

- As tuas conquistas e de alguns dos atletas têm ajudado a aumentar a visibilidade do karaté. O que falta ainda fazer?


Há muito ainda a fazer. O que ajuda o desporto a ser reconhecido são os próprios praticantes conseguirem sair de Portugal e subirem aos pódios. É uma mais-valia para Portugal e para o próprio desporto. Quando ganho uma medalha, o “prémio” não é só para mim! Por trás destes títulos há um clube, um treinador, uma família, os meus colegas atletas. Se eu ganho, há mais pessoas a ganhar comigo.


 

- Que papel ocupa o teu treinador pessoal, José Carvalho, e o teu clube, o Centro de Karaté Goju-Ryu do Porto (CKGR), neste teu percurso, ainda curto, de sucesso?

 

Este é um trabalho árduo e é muito importante o trabalho desenvolvido pelo meu treinador. O sensei conhece-me desde pequenino. O objetivo de um treinador é incutir-nos a exigência e formar-nos não só como atletas, mas também como pessoas. É um trabalho que ele faz diariamente comigo e com outras pessoas. Ajuda-nos muito, é um trabalho enriquecedor para os atletas. O meu irmão acompanha-me desde miúdo. A minha família ocupa um lugar muito especial, no apoio nos treinos e a nível emocional. Muitas vezes estamos mal, precisamos de um empurrão, de uma palavra. Os meus pais são compreensivos, sabem estar no desporto. A competição ajuda-nos muito na competição, a saber ganhar e a saber perder, respeitar o treinador, o árbitro, o adversário. Não festejo na cara do outro quando ganho. Quando perco, dou os parabéns ao adversário. É essa formação que, conjugada com os ensinamentos do treinador e o apoio da minha família, ajuda-me a gerir os processos quando estamos mais em baixo ou quando vivemos aqueles momentos da vitória.


 

- Que conselhos podes dar às crianças e jovens que ainda não praticam ou esperam vir a praticar algum desporto?

 

Não falo só em relação ao karaté, mas o que tento passar aos mais novos e que aconselho é que corram atrás do sonho. É importante delinear objetivos. E quando pensam em desistir, é precisamente nessa altura que devemos pensar nos objetivos que traçamos, nos sonhos. Acreditar, acima de tudo, e pensar que é possível.

 

Se sonhei até agora, não é desta que vou parar. Quero ir aos Jogos Olímpicos de 2028

 

- Quais são os teus próximos objetivos desportivos?


O meu objetivo mais próximo é o Campeonato do Mundo, em outubro, na Turquia. A Taça de Portugal também é em outubro e, em novembro, vou competir no Nacional… mas a longo prazo quero muito ter a oportunidade de participar nos Jogos Olímpicos em 2028. Já terei idade suficiente para integrar a Seleção Nacional, sei que vai ser difícil. Não serei o único a sonhar com esta meta, mas…vou permitir-me sonhar com as olimpíadas. Se sonhei até agora, não é desta que vou parar. Quero ir aos Jogos Olímpicos de 2028.


 

- Os apoios são muito importantes para não “anular” estes sonhos.


Quando estamos a falar nas Youth League são os pais que suportam a 100% os custos, o clube ajuda também, claro. Mas há famílias que não têm capacidade e isso é o suficiente para um atleta nem sequer se permitir sonhar. Os clubes, alguns dos atuais sponsors e o apoio do município fazem também a sua parte e isso é importante para o desporto e para o percurso de atletas como eu.

 

- E como vês o teu futuro profissional?


O karaté em Portugal é difícil de seguir, de construir uma carreira. Mas gostaria muito de, mais tarde, ser atleta profissional, mas conciliar com a faculdade e o trabalho. Estudo atualmente no colégio Júlio Dinis, estou no 11.º ano de economia. Quero entrar na faculdade no curso de gestão.


 

- Lema de vida?


Tento passar uma imagem de positivismo. Há uma frase que me influencia: “por muito que as coisas possam estar más, sorriam”. A felicidade é uma grande cura! Sorri e aproveita ao máximo o presente. Passo a passo chegas lá.

 

- Local de eleição para treinar no Porto, além do teu ginásio?


Parque da Cidade.


Entrevista: Sara Oliveira

Fotos: Rui Meireles

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