A nona edição do Porto&Matosinhos Wave Series regressou ao mar esta semana para dois eventos integrados no seu cartaz, o “Surf para Todos” e o “Surf Adaptado”, iniciativas que se destacam na área da responsabilidade social associada ao surf.
O “Surf para Todos” aconteceu nesta quarta-feira, à tarde, para uma vez mais proporcionar a crianças de comunidades mais desfavorecidas um batismo de surf e uma experiência diferenciadora e transformadora no mar.
Este ano, a ação reuniu mais de 30 crianças e jovens, a partir dos 10 anos, de instituições de solidariedade social e apoio a menores em risco do Porto e de Matosinhos, como o Centro Juvenil de Campanhã, a Associação de Proteção à Infância Bispo António Barroso (APIBAB), o Projeto Biquinha em Ação e o Projeto Guarda em Ação.
Fomos acompanhar um dia único, vivido com sal no cabelo, areia nos pés e pranchas de surf em riste. Seria fácil cairmos na tentação de associar o surf ao sol que, de facto, é para todos. Não o vamos fazer. Mas há uma evidência que é transversal ao projeto social inerente à iniciativa Porto & Matosinhos Wave Series que, todos os anos, une os dois municípios da Frente Atlântica pela causa social e pela promoção da inclusão através do desporto: o surf é uma modalidade desportiva impactante para todos, independentemente da idade, do género, da geografia, das experiências que cada um vivencia. Basta existir vontade para experimentar e quem queira fazer a diferença.
Contra medos e… marés
Marcelo Martins é o responsável pelo Onda Pura Surf Center e um dos rostos na organização desta iniciativa a que maior relevo no calendário dos desportos de ondas na região norte do país. Encontrámo-lo esta quarta-feira à tarde, num dia de primavera ameno, a piscar o olho ao verão que está aí à porta. Perto da linha de água da praia de Matosinhos, Marcelo olha o horizonte povoado de pranchas de surf e cerca de 30 crianças e jovens a debaterem-se contra medos, marés e pequenas ondas. Ao lado dele ainda estava Miguel, de 12 anos, a enfrentar o que achava ser o excesso de sal nos seus olhos verde-água ainda a lacrimejar. Indeciso se regressaria à água, concentrou-se na conclusão inevitável de Marcelo. “Miguel, a decisão é tua. Mas se quiseres sair agora não vais ter tempo para regressar ao mar. Vá lá, experimenta mais uma vez antes de terminarmos a sessão!”, desafiou.
O rapaz, ainda indeciso, parecia estar à espera daquele empurrão feito de palavras de incentivo. Pega na prancha quase do seu tamanho e lá se fez de novo ao mar. Sorriso fechado, é certo, mas convicto com os seus olhos verde-água… já de esperança.
“Estas crianças, por vezes, agarram-se a estes pormenores para disfarçar as suas inseguranças, nós só temos de interpretar os sinais e dar-lhes os incentivos que precisam para ultrapassarem os seus medos. Por vezes basta a palavra certa e a atitude firme”, sublinha Marcelo Martins que, há mais de 10 anos organiza, juntamente com os municípios do Porto e Matosinhos, as ações do programa social que conseguiu já impactar “seguramente mais de 500 crianças de várias instituições de solidariedade social nos dois concelhos”, adianta.
Várias experiências a partilhar
Matilde, de 15 anos, vem da Associação de Proteção à Infância Bispo António Barroso (APIBAB) do Porto e está na areia a tentar vencer o medo de entrar na água. Enquanto espera pela coragem que teima em faltar, aceitou falar connosco. Questionada sobre a importância de iniciativas como o Surf para Todos reconhece ser “uma oportunidade para vivermos um dia diferente que, de outra forma, não seria possível. Quero muito experimentar surf, até porque acho que vou seguir desporto. Mas tenho receio de entrar no mar e cair. Tenho de vencer este medo!”, rematou pensativa.
A mesma opinião é partilhada por Leonardo Barata, de 16 anos, do Centro Juvenil de Campanhã. Não é a primeira vez que contacta com a modalidade. “Estas experiências são muito boas e sempre que tenho disponibilidade venho para o mar, consigo já fazer manobras e aguentar-me na prancha”, diz-nos. “O surf e o mar dão-me estas boas vibrações e também novas motivações”, reconhece já no final da atividade “Surf para Todos”.
Depois de saírem do mar, o mais difícil foi mesmo abrandar a adrenalina e carregar as longboards pelo extenso areal para a entrega dos prémios de participação. Despir o fato de surf tem a sua ciência, limpar os materiais e deixá-los prontos para o próximo grupo exige responsabilidade e disciplina. “E isto é algo que também tentamos incutir, cumprir regras para depois terem a oportunidade de fazer o que mais gostam”, sustenta Alexandre Corte Real, de 30 anos, um dos monitores que acompanha a iniciativa há quatro anos.
Texto: Sara Oliveira
Fotos: Guilherme Costa Oliveira