09/06/2022

O mais recente equipamento cultural do Porto comemora o primeiro aniversário nesta quinta-feira, 9 de junho. A data coincide (propositadamente) com o aniversário de nascimento de Paulo Cunha Silva, ex-vereador da Câmara Municipal do Porto que faria hoje 60 anos. E há festa para artistas, colaboradores e vizinhos convidados.  

 

- Durante o primeiro ano, o Campus Paulo Cunha e Silva acolheu mais de 3500 pessoas.  


Helena Paula não foi uma delas. “Não, ainda não conheço como ficou aquele local depois das obras”. Sentada ao balcão, na montra virada para a Rua de Faria Guimarães, numa loja de nome “Pomar”, saúda quem passa na rua, enquanto desfia histórias que o tempo não apaga. “Ui, lembro-me de tanta coisa daquele espaço”.  


O espaço a que Helena se refere foi outrora a Escola Básica 1 José Gomes Ferreira, na Travessa dos Campos, nas proximidades da Praça do Marquês e da Rua do Bonjardim. A escola onde educou o filho e onde, ainda hoje, encontra uma marca desses tempos. “Vê aquela árvore que ainda está no jardim? Foi o meu filho que a plantou, num Dia da Árvore”, assume, notoriamente orgulhosa. 


Do tempo em que o rapaz frequentava o estabelecimento, Helena recorda o corrupio de “pequenos” que desciam e subiam a rua, a toda a hora. “Havia muitos meninos, sim senhor. Era uma animação, vinham aqui, compravam o lanche e até esperavam pelos pais, quando terminavam as aulas”. 



Hoje, o movimento é diferente. “Continua a passar por aqui muita gente, entram para comprar o que precisam e sobem a rua. Sei que vão para lá. Mas já não são os miúdos de outros dias”. Para Helena, o movimento é benéfico, ajuda a que a zona não fique parada, “a que se mantenha aquele ambiente do antigamente”.  


Enquanto falamos, tira da gaveta um envelope rosa forte e pisca-nos o olho. “Tenho aqui um convite para ir ao aniversário”. O Campus convidou amigos e vizinhos para uma comemoração especial no final de tarde desta quinta-feira. “Ainda não sei se consigo, mas se a minha irmã estiver cá, vamos as duas lá dar uma ‘fugidinha’”, revela. Fica, no entanto, uma certeza: “estou muito feliz que tenham reativado aquele espaço. O espaço exterior está espetacular, só posso desejar o maior sucesso”.   

 


- Durante o primeiro ano, o Campus Paulo Cunha e Silva recebeu a visita de vários artistas e equipas. 


Joana Castro foi (e é) uma delas. Revela que aquele local responde a uma necessidade “muito pessoal” de poder continuar a desenvolver os trabalhos anteriormente estreados, numa lógica de partilha constante. “É um espaço que reúne as condições essenciais para o trabalho com o corpo e que são muito escassas em Portugal”, destaca. E enumera: “excelentes condições térmicas, um bom chão, um perfeito isolamento sonoro… Ou seja, todas as condições básicas para se trabalhar um corpo”.  


No dia em que nos encontramos com ela no Campus, na mesa de madeira que se abre ao pátio e jardim, iniciava mais um período de trabalhos num dos quatro estúdios existentes no local. Sem a pressão de uma estreia ou a urgência de uma apresentação, reservou espaço para poder continuar a exploração da sua investigação criativa. E, com ela, garantir mais valias de futuro.  



“É um espaço que funciona, precisamente, como se fosse a nossa casa. Tem uma sala, um espaço para cozinhar, permite uma vivência completa neste local. E permite, essencialmente, um encontro com outros artistas, que é uma coisa que tem acontecido imenso”, acrescenta a coreógrafa. “E de repente estou com pessoas com quem já não estava há imenso tempo, cruzas-te e almoças com eles e crias um espaço de encontro que é essencial numa residência artística e criativa como esta”, sintetiza. 



E se lhe pedíssemos um desejo, Joana escolheria este: “A questão da rede é essencial, de futuro. Criar uma rede de contactos e espaços, por forma a haver troca, viagem e encontro de artistas com artistas pelos mais variados sítios do país”. E vai mais longe: “e porque não outro Campus? Para começar a responder às necessidades de pessoas que estão a começar a trabalhar o corpo”. No fundo, acompanhar a crescente criatividade de uma cidade em expansão artística.  

 

- Durante o primeiro ano, o Campus Paulo Cunha e Silva acolheu mais de 200 aulas orientadas por 43 formadores 


Além dos trabalhos mais ou menos pessoais e anónimos, o Campus tem um programa de aulas regulares e diárias para profissionais das artes performativas. Nesta semana, o coreógrafo Marcelo Evelin – que apresentou “Uirapuru” no Teatro Campo Alegre, nos dias 3 e 4 de junho – é o responsável pela formação no Estúdio 1. Aula a que a bailarina Gabriela Dória (“prefiro Bibi”, pede-nos) não podia faltar.  


“Vim para estar mais perto desta dança que me diz tanto”, revela. Bibi Dória é brasileira, vive em Lisboa há quatro anos e tem passado pelo espaço com regularidade, “mais enquanto artista do que enquanto frequentadora das aulas”. 



Num passado recente, esteve com o artista Bruno Brandolino para a criação de “La Burla”, espetáculo que será apresentado na temporada 2022/2023 do Teatro Municipal do Porto.  


Regressar, assume, é sempre um “prazer”. “É uma troca de contactos muito importantes”. E é ainda mais especial quando, no local, “é tudo lindo”: “as luzes são lindas, as janelas são lindas, tudo é lindo e especial. Queria que todos os espaços fossem assim”, diz Bibi, entre gargalhadas. 


Um dos projetos que mais interessa à artista, neste momento, é o “Reclamar Tempo”, um conjunto de bolsas anuais dedicadas à investigação e pesquisa, em que vários projetos são selecionados para incrementar os passos iniciais de um determinado processo criativo. 



“Eu adorei essa ideia de passar tempo a pesquisar, a pensar e entender o trabalho. Não é só criar e ensaiar, é mesmo importante todo esse trabalho prévio ser feito com as condições adequadas”, destaca a artista, já a piscar o olho para um próximo desafio no Campus PCS. 

 

- Durante o primeiro ano, o Campus Paulo Cunha e Silva acolheu 50 residências artísticas e técnicas 


E este foi o “ano zero”, o ano que permitiu testar uma série de projetos que estavam no papel aquando da abertura de um equipamento “necessário para a cidade”. 


“Acabou por ser um ano de aprendizagem”, começa por sintetizar Cristina Planas Leitão, responsável pelo centro de residências artísticas e assistente de programação do Teatro Municipal do Porto. “No início tínhamos muitas ideias em cima da mesa, mas sabíamos que o projeto se ia alicerçar em algumas bases: residências artísticas e técnicas, programas de reflexão e investigação e reservas de espaço”. Algo que acabou por ser o equilíbrio de tudo. 



Parece ser, de resto, consensual a importância de um espaço de residências e trabalho regular para a comunidade artística e do seu impacto no tecido cultural da cidade e do país, promovendo o encontro e diálogo entre pares.  


“Sempre foi uma preocupação nossa criar um espaço com todas as condições para os artistas, até pela minha experiência pessoal de frequência de espaços como este enquanto artista”, assume.  



As expectativas iniciais acabaram por ser cumpridas e, no futuro, para além de se manterem os programas iniciais, assume-se a intenção de aumentar o número de parcerias e a criação de mais sinergias.  


“Continuará a ser um espaço de trabalho e não de apresentação, fazendo uma complementaridade com os dois polos do Teatro Municipal do Porto”, assume a responsável. 


Texto: José Reis

Fotos: José Caldeira / TMP

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