25/06/2021

O surf é uma das novidades da edição deste ano da iniciativa Desporto no Bairro. Durante várias semanas, duas escolas de surf, parceiras do projeto, levam as técnicas ao interior dos bairros. Acompanhamos uma dessas aulas, no Bairro de Francos, a poucos dias de passarem para as areias das praias.


“Surf Days”. Todos sorriem quando reparam na t-shirt que traz. Escolhida para este momento, podia bem ser o uniforme para as aulas semanais que frequenta no Bairro de Francos. “Surf Days”. Ismael tem 6 anos, vive no rés-do-chão de um dos blocos que, qual abraço coletivo, envolve todo o ringue do Bairro de Francos. É o primeiro a chegar, passos apressados, sob o olhar atento da mãe e do irmão, que acompanham o treino pela janela.


“Vieste vestido a rigor”, alguém afirma, numa alusão aos tais “dias de surf” que traz escrito no peito. “Grande Ismael”, diz António Mafra, um dos formadores da aula de skate-surf desta tarde. “Pronto para mais uma aula?”. Ismael sorri, acena afirmativamente com a cabeça. Escolhe um dos skates existentes no ringue, para dar umas voltas de aquecimento, antes de se aventurar na prancha de surf (em tamanho mais reduzido, com um peso substancialmente menor, sustentada por um balão de borracha resistente que permite simular as variações que as ondas prometem trazer dentro de poucas semanas).


Deitado, sentado, de pé, com um pé apenas. São muitas as manobras que já sabe fazer no skate. “Para mim é tudo fácil”, reconhece, não escondendo o orgulho pelas manobras feitas. Regressa todas as semanas ao encontro com o surf-skate, por ter gostado das vezes em que antes experimentou. “Já tinha andado de  skate antes, mas não conseguia fazer estas manobras. Agora já consigo, até na prancha de surf”, diz.


Ismael gosta de futebol (quiçá um dia ouviremos falar do grande jogador Ismael Carqueja…), mas o surf é, para já, a curiosidade que mais tem gostado de experimentar. “Eu coloco-me em cima da prancha [de skate ou surf], o vento sopra e sinto que consigo andar mais rápido”.


 

Aulas na praia a chegar

António Mafra (ou apenas Mafra, como todos lhe chamam) acompanha a conversa e os movimentos que os mais novos fazem. Já teve 6 anos. “Há muito tempo”, ri. Hoje tem 51, é um dos formadores das aulas de skate-surf da iniciativa Desporto no Bairro, um projeto da Câmara Municipal do Porto e da Ágora Cultura e Desporto, que procura incentivar os mais novos à prática desportiva, levando três modalidades aos recintos no interior dos bairros selecionados. Para além do surf, também o skate e o breaking são desportos a serem praticados nestas semanas.


Mafra começou noutro tempo. “Quando não havia iniciativas como esta, em que pegávamos na prancha e nos fazíamos ao mar, sem qualquer ajuda”. Hoje, é treinador de surf na Surf Training School, uma das duas entidades envolvidas nestas aulas de surf. Reconhece que o início, em qualquer desporto, é difícil, mas na persistência é que está o ganho. Mesmo junto de miúdos que nunca viram surf ao vivo.


“Ao princípio os miúdos estranham, não estão habituados a estas ações, mas com o tempo começam a aparecer. Começam a confiar mais em nós. Mas sabemos que estão ansiosos pelos momentos das aulas na praia”, reconhece o formador, aludindo às duas partes em que se divide este módulo: o primeiro mês o surf vai ao bairro, no segundo mês o bairro vai ao surf.



Mas até se chegar ao segundo momento, há muito a fazer. “Todas as semanas treinamos as técnicas necessárias para que depois colocar em prática no mar. Aqui treinamos o equilíbrio, manobras de surf, como o ‘colocar de pé’, para que eles tenham as técnicas apuradas quando chegar o momento de encarar o mar”.

 

Desporto no Bairro pioneiro

“Estamos a criar as técnicas, a quebrar o gelo e as barreiras existentes. Partilhamos o que sabemos, ensinamos através dos nossos conhecimentos, para depois a ligação dentro de água ser mais fácil”. Pedro Flores, da Flower Power Surf School, a outra entidade envolvida na iniciativa, reconhece que a adesão recente de muitos interessados, dos 6 aos 14 anos, revela a carência da comunidade.


“O que tenho percebido é que os miúdos estão carentes de ensino, desta aprendizagem, do contacto. E é também por isso que o Desporto no Bairro é um sucesso, na minha opinião. Porque vai ter com eles e coloca-os em contacto com estas realidades”, admite. E acrescenta, como segredo de uma fórmula de sucesso: “a grande mais valia tem a ver com a entrada no habitat deles, onde sabemos que são eles próprios, puros. Estar com eles onde eles são como são”.



O também treinador de surf diz conhecer projetos deste género existentes na Europa, “onde o surf é integrador dos meios socioeconómicos mais desfavorecidos”. “Mas no nosso país [o Desporto no Bairro] é um projeto pioneiro”, avança.


Em julho o betão passa a ser substituído pela areia da praia. As ondas passam a ser reais. A prancha passa a ter o dobro do peso, do tamanho. Dédé, cabelo encaracolado, camisola amarela, dentes de seis anos, não tem medo. “Quero ir para a praia experimentar a prancha”, atira, de forma satisfeita. Nunca entrou no mar com a prancha, mas quer tentar. Não tem medo, do que conhece e do que não conhece.


“Para eles, uma onde de 30 centímetros é como se fosse uma onda gigante da Nazaré. Com a diferença que estamos lá e nunca os largamos”, reconhece o surfista Mafra.

 

 

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