18/06/2021

A segunda edição do Desporto no Bairro já iniciou, com as modalidades a serem praticadas em vários polos da cidade. Uma das novidades da edição deste ano é o skate, modalidade olímpica incluída nesta iniciativa. Esta é uma viagem a um dia de aulas, antes da prática se deslocar para o Skate Park de Ramalde, a partir de julho. Até lá, as aulas dividem-se entre os Bairros de São Tomé e de Francos, todas as segundas e quintas-feiras.

 

Diogo aproxima-se, com olhar cauteloso. Espreita pela rede do ringue. Não sabe o que se passa para tantos estarem a ocupar um espaço que conhece, em frente à sua casa. No chão, uma rampa de madeira, várias pranchas com quatros e duas rodas, pessoas que não conhece junto dos amigos que ali crescem, a seu lado.


Cauteloso, mas curioso, aproxima-se, como se a presença daqueles que conhece atestasse a confiança que pode depositar nestes desconhecidos que ocupam este espaço no bairro. “Queres experimentar?”, ouve-se a pergunta. Acena com a cabeça, sem perceber bem como ou o quê. “É isso mesmo, vais gostar”.


Põe o capacete, como as regras de segurança assim (e sempre) o exigem. Nada diz. Olha com os olhos curiosos que um menino de poucos anos (talvez cinco) usa para ver o mundo que não conhece. Coloca-se em cima do skate. Sem medo, agarrado a quem está ali apenas e somente para o ajudar.


É portador de trissomia 21, um pormenor que nada acrescenta a este relato, mas que serve como razão para justificar que o desporto tem este carácter democrático e universal: nada é um obstáculo a que se possa aproveitar a iniciativa que, naquela tarde, ocupa o Bairro de São Tomé (e, mais tarde, o bairro de Francos). Não é apenas andar de skate, é “uma verdadeira experiência de liberdade”, irá dizer-nos mais à frente o Diego, que conheceremos daqui a pouco.


 

Primeiro estranha-se…


São 15h00 de um dia feriado, o dia de Portugal, o termómetro regista mais de 27 graus. A tarde de João Neto, da Kate Skateschool, começa agora, com o encontro no Bairro de São Tomé.


O skate é uma das modalidades-novidade da segunda edição do Desporto no Bairro, programa da Câmara Municipal do Porto, através da empresa municipal Ágora - Cultura e Desporto do Porto, com o objetivo de dar a conhecer e despertar o interesse dos mais novos pelas modalidades desportivas selecionadas.


Neste ano, a juntar-se ao breaking, que repete a edição, há duas novas atividades: o surf e o skate. “Quando me fizeram este convite, alinhei logo de primeira. Poder ajudar pessoas que nunca tiveram esta experiência, poder fazer este acompanhamento, dar tudo aquilo com que já passei com o skate, foi uma oportunidade que quis mesmo aproveitar”, diz João Neto, o responsável pela dinamização das aulas de skate.


Todas as segundas e quintas-feiras, com a ajuda de outros skaters profissionais que convocou para este desafio, partilha a paixão aos mais novos. “Têm sido dias espetaculares, porque quando eles chegavam ao pé de nós estavam de pé atrás, com aquela ideia de ‘o que é isto?’, “o que fazem eles aqui’, ‘eu não quero cair em frente aos meus amigos’. Hoje já vêm ter connosco, já dizem ‘hey, bora, vamos andar de skate, vamos cair e vamo-nos rir uns dos outros, porque isto é divertido’”, ri Neto, num misto de gozo pessoal e sentido de dever (a ser) cumprido.


Por entre manobras mais ou menos difíceis, é hora de partir para outro local. Outro bairro espera, outros sonhos ansiosos aguardam a hora certa. No momento da despedida, com compromisso marcado para dentro de poucos dias, os olhares cruzam-se. “Eles não são muito de falarem sobre isto, se gostam ou não. Quando sais daqui e eles estão contentes e nos perguntam se já vamos embora, acho que já dizem tudo”, remata Neto, fechando a porta do carro.

 

… depois entranha-se


16h00. Francos, segunda paragem desta tarde para os monitores da aula de skate. Antes de chegarem, já são muitos aqueles que os esperam. Diego, Rodrigo, Lucas, Telmo. Todos diferentes, todos unidos na atenção e curiosidade pela próxima hora em que irão experimentar as manobras que costumam ver na televisão.


“Não tenho skate, mas gostava de ter”. Por umas horas o pequeno Diego terá um, para sonhar que o futuro pode ser feito sobre rodas. “Eu gosto de estar aqui porque me sinto livre”. Tem 9 anos, vive no bairro desde sempre, encontra-se com os amigos no sítio habitual. E é com clareza que expressa o que, para ele, é o skate. “É um desporto divertido, é uma parte da vida”.


A seu lado, o pequeno Telmo, de 9 anos, corpo franzino dourado pelo sol, usa também a palavra “divertido” para identificar estas aulas. “Eu já sei andar de skate, tenho um de duas rodas. Mas este é diferente [tem quatro rodas]”, diz-nos, enquanto agarra o skate ao lado e desliza pelo campo de betão armado. Não cai. Mas ainda não arrisca em manobras perigosas. Quando assim é, os instrutores dão uma ajuda. Explicam com detalhe os passos a seguir.


Começam devagar. Uma, duas, três vezes. Sem pressa. O erro é aplaudido. Porque só erra quem experimenta. E os que experimentam são os protagonistas desta história que tem sempre um final feliz. “O mais importante é eles divertirem-se a andar de skate, não queremos fazer destes encontros uma lição de vida que lhes passamos. Primeiro, o importante é divertirem-se, verem que isto é uma cena fixe, e depois, mais para a frente, transmitir os valores inerentes ao desporto”, sintetiza João Neto.

 


Passar bons exemplos


Neto tinha precisamente a mesma idade quando descobriu o skate. “Eu tinha 12 anos quando comecei a andar. Hoje tenho 33 anos, o que quer dizer que há 21 anos que ando de skate todos os dias”, enumera, matematicamente falando. “Foi através do skate que conheci a grande maioria dos meus amigos, foi através do skate que conheci imensas cidades, sítios para praticar este desporto e foi com o skate que tive as minhas maiores aventuras”, revela o skater profissional, responsável por uma das escolas de skate mais reconhecidas da cidade, a Kate Skateschool, parceira na edição deste ano do Desporto no Bairro.


Adiante, junto à entrada, um rapaz de cabelo azul, estilo que não lhe falta, tenta equilibrar-se numa prancha que ainda não domina totalmente. Lucas tem 12 anos, é dos mais velhos a integrar este grupo que se junta todas as semanas. Reconhece que o skate tem sido uma descoberta, porque “se estivesse em casa não tinha nada para fazer e esta é uma experiência muito boa”. Nunca tinha experimentado este desporto, não tem skate, domina ainda mal as manobras mas tem uma certeza: “quero continuar a andar de skate quando as aulas terminarem”.


As aulas, essas, só terminam no final de julho, com o grande espetáculo de final de atividade, que decorrerá em data e local a anunciar, mas que juntará em palco o skate, o breaking e o surf. “É bom ver que a Câmara Municipal do Porto já não vê o skate como um ato marginal, mas sim como um desporto e um ato de vida. O skate pode, afinal, trazer muitos benefícios, e não é uma coisa má”.


João Neto não disfarça a satisfação. Pelos grupos que coordena, pelos muitos participantes entusiasmados que encontra, pela emoção que consegue partilhar. Diz, para finalizar: “E quando terminar este período, nunca mais os vou largar, podem vir connosco andar de skate durante a semana, ao fim de semana, e aí sim, vamos continuar aa incutir muitos e bons valores individuais”. Porque esta história nunca terá um ponto final. 

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