05/06/2024

Manjericos, balões e martelos de São João, casas em miniatura, peixes, barcos, um fogareiro com as sardinhas na brasa, tudo feito em barro. Estas são algumas das centenas de peças de cerâmica, de diferentes dimensões, que vão dar vida à Cascata Comunitária de São João, que a partir de dia 12 de junho estará exposta, mais uma vez, no Mercado do Bolhão.

 

 

Todos os anos a comunidade é convidada a participar e a ajudar a manter viva esta tradição da cidade do Porto. A ceramista Teresa Branco, da Oficina Brâmica, é desde 2016 a responsável por este projeto. “O Porto, apesar de ser uma cidade escura devido ao granito, é uma cidade cheia de cor devido à azulejaria. Todos estes elementos, que constituem a Cascata Comunitária, sobretudo as casas em miniatura, têm muitas cores e muita vida”.

 

 

A Cascata Comunitária convida a população a reproduzir parte da identidade arquitetónica da cidade. Nas oficinas de cerâmica é dada liberdade para cada um escolher o formato, o desenho, a dimensão ou as cores da casa que produzem em barro.

Este ano, mais de 600 pessoas puseram “mãos à obra” para construir a Cascata Comunitária. “Neste momento temos cerca de três mil casas para a montagem da cascata”, diz Teresa Branco.

 

 

 

Um projeto da cidade para a cidade

 

No centro da Oficina Brâmica, onde a luz do sol atravessa a claraboia que dá acesso ao terraço, duas mesas servem de apoio às centenas de peças em barro que dentro de uma semana estarão expostas no Mercado do Bolhão. Trabalhos que vão passar pelas mãos de Lisa, de Lucie e de Marco, três dos participantes das oficinas gratuitas para a construção da Cascata Comunitária.

 

 

Lisa Barbosa tem 25 anos, é licenciada em Belas Artes com especialização em escultura e posteriormente frequentou um curso de cerâmica. “Sou ceramista e estou a colaborar com a Teresa Branco neste projeto que é muito bonito. Faltam projetos em que a comunidade possa participar ativamente e eu olho para esta oficina como um privilégio, de poder participar num projeto em que todos estão no mesmo espaço e que é um bem comum para a cidade”.

 

É natural de Barcelos, mas mudou-se para a cidade do Porto há sete anos. Na mão esquerda segura a casa de barro em miniatura que vai pintar e na mão direita o pincel, que usa para molhar nas diferentes taças de vidro que estão à sua frente e onde pode escolher cores como o rosa, o verde ou o amarelo.

 

Usamos as cores mais tradicionais da cidade do Porto, as que vemos nos azulejos, como os azuis, os amarelos, alguns vermelhos, os rosas e depois o verde, porque a natureza também é importante. Numa primeira fase fazemos as casas, a cerâmica tem de ser oca, caso contrário explode com o calor do forno, depois fazemos as estruturas base. Casas mais pequenas, maiores, há prédios e depois o objetivo é decorar estes elementos ao seu gosto”.

 

Cabelo com rastas e voz doce, Lisa conta que encontra inspiração na cidade, “e por isso faz todo o sentido ter a cidade como referência. Para mim o São João é um dia de reunir a família, os amigos, é um dia muito especial para criar memórias”.

 

 

Sentada no banco ao lado está Lucie Lorsi, francesa, com 19 anos. Está na cidade do Porto há pouco mais de um mês para realizar um estágio curricular na oficina Brâmica. “Estudo cerâmica, em Paris. Para fazer este trabalho encontrei inspiração nas ruas da cidade do Porto, nas viagens de metro em que atravesso a Ponte Luis I e consigo ver todas aquelas casinhas na encosta, aquelas cores”.

 

Ao participar na Cascata Comunitária, Lucie diz que se sente mais integrada na cidade. “Ajuda-nos a conhecer melhor a língua e a cultura. Por exemplo, eu não sabia o que era um majerico e agora com este trabalho já sei”.

 

 

Lucie não é a única estrangeira a participar nesta oficina. Marco Perez é francês, tem 19 anos e está a terminar um curso profissional. Com o pincel na mão e tinta verde, está a desenhar uma árvore na fachada de uma das casas em barro. “Não conheço bem o trabalho em cerâmica, mas estou a aprender, ajudamo-nos uns aos outros. Eu fiz algumas casas, até foi fácil e agora estamos a pintar. É um trabalho muito livre”.

 

Marco não conhecia as festas do Porto, mas conta que “no sul de França também festejam o São João. Agora vou poder conhecer as festas na cidade do Porto, vai ser bom”.

 

 

Oficinas no Bolhão com participação de todas as idades

 

A ceramista Teresa Branco, explica que são três os momentos de oficina no âmbito do projeto da Cascata Comunitária. "O primeiro foi realizado no Dia Mundial da Criança. A modelagem é um trabalho de grande expressão e conseguimos elementos muito criativos para a cascata. Só no Dia da Criança foram 570 os que participaram”.

O segundo momento baseia-se em duas oficinas, que se realizam na Brâmica e “é aqui que normalmente fazemos a pintura com engobe, um corante com barro, e depois quando as peças são cozidas a 1020 graus ficam seladas e saem do forno coloridas. Apostamos mais nas cores ocre, como o amarelo, o verde, o azul. A ideia é fazer peças não vidradas, senão teríamos o reflexo dos azulejos, mas fazermos as cores do azulejo”.

 

 

Num terceiro momento, admite, “temos as oficinas no Mercado do Bolhão, nos dias 7 e 8 de junho. Estas oficinas contam com uma população mais adulta, com uma motricidade fina mais apurada e temos encontrado verdadeiros artistas”.

 

Teresa Branco diz que este é um projeto para todas as idades e a diversidade de “artistas” traz riqueza à cascata. “Criamos temáticas que vão ao encontro dessa diferença intergeracional. Por exemplo, nas oficinas das crianças fizemos muitos manjericos, martelos, peixinhos, muitos elementos que vão decorar a cascata. Agora no Mercado do Bolhão vamos desafiar quem participar na oficina a fazer pontes para o rio, alguns monumentos emblemáticos da cidade, chafariz, elementos mais elaborados”.

 

 

Trabalhos como interpretação da cidade

 

Na oficina de cerâmica Brâmica, no número 181 da Rua de Santo Isidro, no centro da cidade do Porto, ouvem-se pássaros e um sino que de hora a hora avisa do passar do tempo. 

 

Teresa Branco conta que “este ano tivemos uma percentagem muito elevada de imigrantes nas oficinas e o facto de colaborarem nesta iniciativa, honra a cidade do Porto, dá-lhes um sentimento de pertença. Foi enriquecedor. A nível de intervenção social, este projeto tem sido apresentado à cidade de uma forma muito estruturada e as pessoas percebem que a cascata faz parte de uma linguagem histórica desta cidade, é do Porto e eu vou fazer parte deste projeto. É importante, é uma forma de participação que também nos cria indicadores de que as pessoas gostam da sua cidade, querem fazer parte dela e participam à medida das suas possibilidades”.

 

 

As oficinas não têm um tempo limitado, “não impomos nenhum tempo, é por peça. Uma peça mais elaborada até pode demorar um dia, demora o tempo que quem a está a fazer precisa, de acordo com as suas competências e motricidade. Imaginemos que estamos a fazer a representação do Mercado do Bolhão, se calhar demora um dia”.

 

Teresa Branco abre o forno onde repousam dezenas de casinhas e peças de barro secas e já pintadas. “Ficam no forno cerca de oito horas, depois as peças são embaladas e vão para o Mercado do Bolhão.”

Na sexta-feira e no sábado, dias 7 e 8 de junho, as oficinas mudam-se para o Mercado do Bolhão. Quem quiser participar só precisa aparecer, juntar-se a Teresa Branco e começar a trabalhar.

 

Texto: Rute Fonseca

Fotos: Rui Meireles

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