No final de novembro completou nove anos desde que a UNESCO considerou a canção de raiz tradicional um elemento identificativo de um povo. Para Buba Espinho isso não foi uma surpresa. Viveu a festa há nove anos (nas ruas, até às seis da manhã) como vive a festa ainda hoje, porque não há dia em que o cante alentejano não faça parte da sua rotina. Neste sábado, 9 de dezembro, o palco instalado dos Aliados acolhe uma tradição que “é de todos”, assume o músico. A partir das 18h00, haverá modas antigas, temas novos e uma mistura curiosa: o cante do Alentejo com o sotaque vincado do Norte.
Eram todos músicos. Um bisavô, uma avó, o pai. Músicos tradicionais. Como fugir a esta herança? Nada lhe foi incutido em casa, nunca teve essa pretensão escrita à nascença, não sentiu a obrigação de acrescentar a este legado a sua contribuição. Mas cresceu, desde novo, a fazer parte desta tradição. Uma tradição que nasce literalmente da terra (quente e árida) de uma região e que se expande pelo corpo, sem razão aparente, sem explicação racional.
Buba Espinho recorda que as primeiras cantorias se deram na escola, entre amigos, com a criação de pequenos grupos que animavam festas pequenas. Com o tempo, foi-se tornando mais sério, com um número de concertos que, na altura, faria corar de vergonha alguns artistas da cena musical.
“Aos 17 anos dava já cerca de 70 concertos por ano, o que, para mim, era algo especial”, recorda o músico. Inserido em grupos, com familiares mais ou menos próximos, ia saltando de aldeia em aldeia, vila em vila, a manter a tradição viva. “A música sempre esteve ao meu lado, como se fosse uma espécie de irmão”, como tudo o que isso tem de bom e mau. “Há momentos em que estamos bem, mas outros em que nem nos apetece vê-lo à frente”, sorri.
Buba fala depressa demais para um alentejano, às vezes torna-se complicado acompanhar a euforia do discurso, mas a terra, a que se sente debaixo dos pés, ainda se nota.
Fala-nos de palavras como “honestidade”, “sinceridade”, “genuinidade”. Vezes sem conta, repete-as como características da sua música – que, no fundo, expressam melhor quem a faz. “Sempre adorei esta vida de músico, sempre gostei ‘da estrada’, de acompanhar o meu pai, de crescer enquanto músico”. Foi uma relação com um público que foi crescendo naturalmente, de “verem um rapaz em palco, gostarem da música que ele faz e seguir os concertos que ia fazendo”, confessa.
Carreira de sucessos em parceria
Integrou diversos grupos, como os Adiafa, A Moda Mãe, Os Bubedanas, Mestre Cante e Há Lobos Sem Ser na Serra. Venceu a Grande Noite do Fado no Coliseu dos Recreios, em 2016. Tem sido convidado de artistas como Rui Veloso, Ana Moura, António Zambujo, Celina da Piedade e Júlio Resende. Cantou a canção tradicional em casas de fado. “Confio muito no meu trabalho, é sempre preciso acreditar o máximo possível”.
Buba Espinho já ganhava espaço nos ouvidos de muita gente quando uma parceria aparentemente inusitada veio quebrar as regras estabelecidas: quebrou o esperado e gravou o tema “Casa” com os D.A.M.A. Aí não havia rádio que não passasse a música a toda a hora, ganhou airplay e reconhecimento. “Fazer uma canção é como fazer um filho em conjunto. Senti uma enorme relação de respeito e compromisso com os D.A.M.A. Temos, ainda hoje, uma relação fantástica e foi ali que consegui chegar a um novo público”, assume o artista.
As parcerias irão continuar, admite, pois é “impressionante a forma como consegues passar uma história escrita por ti para a boca de outra pessoa”. Dá o exemplo de Miguel Araújo e António Zambujo, que conseguiram essa simbiose perfeita. “Porque tudo é mais bonito quando é partilhado”, acrescenta.
Concerto com Bandidos do Cante
O ano de 2023, que está prestes a terminar, foi “muito bom, com muitos concertos”, foi a sítios onde nunca tinha ido (literal e metaforicamente falando). Ganhou embalo para o ano que se avizinha, com um Festival da Canção no horizonte. “Vou participar na edição do próximo ano, como compositor e intérprete, a ver o que irá dar”.
Antes, passará neste sábado, 9 de dezembro, pela Avenida dos Aliados, para um concerto que integra a programação de Natal. Vem com o respeito que sente pelo público do Norte, acompanhado por um jovem grupo “de amigos” chamado “Bandidos do Cante”. Fará uma viagem pelo passado, presente e futuro do cante alentejano com nuances de música pop. No essencial, uma “mensagem muito real e normal”. “Porque eu sou uma pessoa normal e é através dessa normalidade e simplicidade que vou conversando com as pessoas”.
Esta tal “conversa” promete durar uma hora e meia e será feita de “canções magníficas”. Dá tudo em palco. Dá sempre o melhor. Vai estreitar ainda mais as relações entre o Alentejo e o Norte, com amor e euforia.
Vai tentar colocar todos a cantar, em uníssono, os temas que gravou em disco. Aceita até que o sotaque possa trocar algumas letras. Mas é por esse público que ali estará, por inteiro. Porque Buba não tem dúvidas: “quero ficar cá para sempre”. Os fãs nem querem imaginar outro cenário.
Texto: José Reis
Fotos: DR